Cancro: “Quem trata rim não deve tratar mama, bexiga ou próstata”

A aposta na especialização do tratamento oncológico devia ser uma prioridade em Portugal, defende o urologista Fernando Calais da Silva, em entrevista.

Quais são os sintomas habituais do cancro do rim?

Se for detetado nas fases iniciais, não tem sintomas. É um tumor silencioso. Antigamente, quando não havia radiografias, ecografias e TACs havia uma tríade sintomática, que passava pelo aparecimento de sangue na urina, dores lombares e uma massa que se palpava.

Que métodos de diagnóstico são utilizados?

Usa-se a ecografia abdominal, muitas vezes até por outras razões. Aí descobre-se o tumor porque a temos a imagem do rim. É por isso que se têm apanhado muitos tumores ainda numa fase precoce.

Quais os grupos populacionais mais afetados?

São as pessoas acima dos 50 anos. Embora, possa aparecer em qualquer idade. Este tumor atinge mais homens que mulheres.

Este tumor é relativamente raro?

É verdade que representa 2 a 3% dos tumores malignos. É mais raro que, por exemplo, o da próstata mas em Portugal estima-se que surjam mil novos casos todos os anos. E estes são apenas aqueles que conseguimos detetar.

Qual é o tratamento standard para este tipo de cancro?

Se for detetado numa fase precoce, faz uma nefrectomia [excisão do rim] que pode ser total ou parcial, dependendo do tamanho e da localização do tumor. Se tiver até 4 centímetros, pode retirar-se só a parte do rim afetada, sem riscos em termos de sobrevida e de propagação em relação à parte maligna.

No caso de se ter metastizado, já existem mais tratamentos para tentar controlar a doença.

Neste momento, os tumores diagnosticados numa fase inicial já são a maioria?

Nos centros urbanos sim mas nos locais mais rurais do interior há maior dificuldade de acesso aos cuidados e isso faz com que o diagnóstico também se atrase mais. Felizmente, está aumentar o número de tumores detetados numa fase inicial. No entanto, mesmo nestes casos, podem aparecer metástases dali a 1, 2 10 ou 15 anos. Uma discussão que temos frequentemente é se vale a pena fazer tratamento mesmo que não haja metástases. Consoante as análises que se fazem, podemos classificar um tumor como tendo risco alto, baixo ou intermédio. Se for de alto risco, é conveniente fazer tratamento adjuvante para aumentar o período livre de metástases.

E aqui entra em ação a imunoterapia?

A imunoterapia já é usada há muitos anos mas agora surgiram novas drogas. Mas também se podem fazer as TKI (tirosino-quinases), que é um tratamento com muito bons resultados. Agora, temos sempre a tentação de fazer mais imunoterapia, uma vez que tem menos efeitos secundários e melhora a qualidade de vida dos doentes. O problema é que ainda não sabemos quais os doentes que respondem à imunoterapia e quais os que respondem à quimio. Ainda não há marcadores capazes de determinar isso.

A tendência é começar a usar-se imunoterapia em primeira linha para tratar já com metástases ou para impedir que surjam metástases. Impedir é algo ainda muito controverso, uma vez que não há ensaios que provem a eficácia. É difícil apresentar resultados porque não há número de doentes suficientes para se fazerem as estatísticas.

Que estudos de comparação já foram feitos?

Existe um ensaio de alguma dimensão que comparou o sunutibib com o nivolumab. O nivolumab foi melhor nos tumores de risco intermédio e nos de alto risco mas, nos de baixo risco, o sunutinib foi melhor. Mas isto está tudo muito no início ainda.

Por isso, é que é preciso que os doentes sejam tratados em centros altamente diferenciados que estejam habituados a tratar tumores do rim com metástases, o que não existe em Portugal. Muitas vezes, os médicos usam os medicamentos de boa fé, mas não é aquele fármaco que devia ser usado. Têm de haver serviços de oncologia médica especializados na área. Quem trata rim não devia tratar bexiga, mama, pulmão, próstata.

Acaba por ser um problema de escala. Em Portugal, é difícil haver essa especialização.

Mas tem de haver. Não tem nada a ver com os profissionais, tem a ver com o facto de ser preciso um número de casos para se ‘treinar’. É como operar. É com a prática que se aprende e, como temos poucos casos, temos de concentrar os casos em determinar locais – para bem do doente. Os médicos têm de aprender que não são omniscientes. Nos grandes serviços, tem de haver uma pessoa que trate só um tipo de tumor. A prática traz menos efeitos secundários e, no caso, mais complicações pós-operatórias.

TC/SO

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