22 Nov, 2022

Cancro do estômago. Portugal tem a maior incidência da Europa Ocidental e a explicação está na alimentação

O elevado consumo de sal, alimentos fumados e álcool, hábitos que persistem em Portugal, aumentam o risco de cancro do estômago, alerta a Drª. Carla Freitas, coordenadora da Unidade de Patologia Esofagogástrica do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa (CHTS). Em entrevista, a especialista sublinha a importância do diagnóstico precoce da doença e realça as mais-valias da cirurgia laparoscópica.

Qual a incidência de cancro do estômago em Portugal e como se explica que tenhamos a maior incidência deste tipo de cancro na Europa Ocidental?

O cancro do estômago é o quinto mais frequente em Portugal. Foram reportados cerca de 3 mil novos casos em 2021. Esta incidência tem muito a ver com a nossa alimentação, mais do que com a genética (foram feitos vários estudos ao longo dos anos e os portugueses não têm uma predisposição genética particular em relação ao resto da Europa). Está relacionado com a forma como vivemos, não só com a alimentação. Portugal tem uma taxa elevada de infeções por Helicobacter pylori, promotora do cancro do estômago. É uma bactéria transmitida em contexto familiar e com baixas condições higieno-sanitárias. Temos também um elevado consumo de sal e alimentos fumados e uma maior incidência de pobreza, particularmente na região Norte – o que explica que existam mais casos de cancro do estômago no Norte.

Quais os grupos populacionais mais afetados por este tipo de cancro?

Os homens são mais afetados que as mulheres. Em termos etários, é mais comum a partir dos 50 anos. Atinge mais as classes socioeconómicas mais baixas, excetuando o cancro proximal do estômago, que tem vindo a aumentar nas classes menos desfavorecidas. Neste caso os fatores de risco são diferentes: a obesidade e a doença de refluxo.

Tem notado um aumento dos casos de cancro do estômago em doentes mais jovens?

Os doentes que chegam ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa são doentes mais velhos, com lesões mais avançadas. Infelizmente, continuamos a ter muitos doentes que são, primariamente, orientados para o IPO e não para o nosso centro hospitalar, apesar das capacidades cirúrgicas instaladas. Portanto, a nossa amostra não é representativa.

Quão importante é o diagnóstico precoce do cancro do estômago?

À semelhança de qualquer cancro, quanto mais precoce for o diagnóstico melhor é o prognóstico. A taxa de sobrevida, aos cinco anos, no cancro do estômago de estadio I ronda os 90% nos países asiáticos e os 80 a 85% na Europa e nos EUA. Num doente em estadio IIIC ou IV, em que já há metastização importante, essa taxa baixa para os 5%. Ultimamente, temos assistido a um aumento do diagnóstico precoce porque, desde que passámos a efetuar a sedação para colonoscopia, há muitos doentes que fazem também uma endoscopia digestiva alta, que avalia também o estômago – e temos, dessa forma, diagnosticado alguns doentes em estadio precoce.

Ainda assim, a maioria dos cancros do estômago ainda são diagnosticados em fase avançada?

A maioria sim, por duas razões. Por um lado, porque não temos um rastreio para este tipo de cancro. E depois porque as formas de apresentação da doença são variáveis e muitas vezes pouco sugestivas. Há doentes cujo único sintoma é um desconforto a seguir à refeição ou cansaço, e que não apresentam mais nenhum sintoma até o tumor estar metastizado.

Que opções terapêuticas têm estes doentes?

Hoje em dia, há várias opções terapêuticas. A cirurgia é, para já, o único tratamento com intuito curativo. Mas temos como adjuvantes a quimio e a radioterapia. Quando o tumor é detetado numa fase precoce, podemos retirá-lo sem cirurgia, ou seja, por via endoscópica. No entanto, em mais de 95% dos casos, temos de operar os doentes.

Que vantagens pode ter, para o doente, a cirurgia minimamente invasiva? Em que consiste?

Consiste em fazer a resseção cirúrgica, de modo a remover todas as estruturas, com o objetivo de curar o doente. Em vez de ser pela via clássica, fazem-se cinco incisões pequenas, por laparoscopia, o que permite um pós-operatório incomparavelmente melhor, com uma menor taxa de desconforto e de dor. Desta forma, o doente vai poder alimentar-se mais precocemente e a estadia hospitalar e a taxa de complicações são menores.

No cancro do estômago, a laparoscopia já uma técnica cirúrgica disseminada em Portugal?

No nosso hospital [de Penafiel, pertencente ao CHTS], todas as cirurgias programadas são feitas por via laparoscópica, há mais de dez anos. Esta já é a abordagem standard. No entanto, é uma técnica que tem uma curva de aprendizagem longa. Na região Norte, praticamente todos os grandes centros de tratamento utilizam esta via.

SO

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