10 Nov, 2025

Cancro do cérebro. “Por ser doença rara, há dificuldades no acesso a informação clara e fidedigna”

O cancro do cérebro é uma patologia rara, mas com forte impacto na vida de doentes e cuidadores. Renato Daniel, presidente da Associação Portuguesa de Cancro no Cérebro (APCCEREBRO) alerta para a falta de informação, assim como para o acesso desigual ao diagnóstico e tratamento e as falhas no apoio à saúde mental e reabilitação física.

Cancro do cérebro. “Por ser doença rara, há dificuldades no acesso a informação clara e fidedigna”

Qual a prevalência de cancro do cérebro e quais os tipos mais comuns?

Uma patologia como o cancro do cérebro, considerada como relativamente rara, acaba sempre por ter um impacto muito significativo na vida das pessoas que a enfrentam. A nível mundial, os últimos relatórios estimam que surjam cerca de 320 mil novos casos por ano, o que equivale a três a quatro casos por cada 100 mil habitantes. Já num panorama nacional, esta realidade é muito semelhante, estimando-se que sejam diagnosticados cerca de 1.200 novos casos por ano. Considerando a complexidade deste grupo de doenças, estes tumores requerem abordagens e cuidados altamente especializados, acabando por contribuir significativamente para a área de neuro- oncologia nacional.

Quanto aos tipos mais comuns, os gliomas são considerados como os mais predominantes — e dentro destes, o glioblastoma multiforme é a forma mais frequente e também mais agressiva. Outras formas são também os meningiomas, que tendem a ser tumores benignos, ou astrocitomas e oligodendrogliomas, que apesar de menos frequentes, são também igualmente relevantes para um diagnóstico diferencial.

 

Quais as principais dificuldades que os doentes e os familiares enfrentam, já que é um cancro raro?

Os doentes com tumores cerebrais enfrentam múltiplos desafios, desde o momento do diagnóstico até ao acompanhamento prolongado. Por se tratar de uma doença rara, há dificuldades no acesso a informação clara e fidedigna, limitações no encaminhamento para centros especializados e, muitas vezes, escassez de tratamentos inovadores disponíveis em contexto nacional.

Além disso, o impacto neurológico da doença, e os respetivos sintomas associados, como alterações cognitivas, motoras e emocionais, afeta profundamente a autonomia e a qualidade de vida, exigindo condições de apoio psicológico e social contínuas. Os familiares e cuidadores, por sua vez, enfrentam um desgaste emocional significativo e sentem frequentemente falta de apoio e formação para lidar com as exigências do cuidado diário, o que reforça a necessidade de respostas mais estruturadas neste sentido.

Em Portugal, a participação em ensaios clínicos ainda é limitada, especialmente na área da Neuro-Oncologia. É urgente criar condições para atrair estudos internacionais”

De que forma se pode mudar essa realidade?

Mudar esta realidade passa, antes de mais, por dar visibilidade à doença e envolver toda a comunidade no processo. É essencial começar por promover uma maior consciencialização pública acerca dos tumores cerebrais, combatendo o desconhecimento, e muitas vezes o próprio estigma em torno da doença, que tantas vezes isola os doentes e as suas famílias. Mas esta mudança está também intrinsecamente dependente da colaboração efetiva entre as diversas estruturas que focam o seu trabalho nesta patologia, desde as associações de doentes, profissionais de saúde, unidades hospitalares, centros de investigação e indústria farmacêutica. Só através dessa articulação é possível criar respostas mais rápidas, eficazes e humanizadas.

E é igualmente importante incentivar a criação de redes e iniciativas conjuntas que aproximem os especialistas e a comunidade, de modo a identificar as verdadeiras necessidades do dia a dia de quem enfrenta direta ou indiretamente a doença, e desenvolver estratégias que lhes permitam dar resposta. A partilha de conhecimento, e principalmente de experiências individuais, bem como a construção de soluções em conjunto são passos fundamentais para garantir que nenhum doente ou cuidador se sente sozinho neste percurso.

 

Na vossa perspetiva, deveria haver maior aposta em investigação e ensaios clínicos?

Sem dúvida. A investigação e os ensaios clínicos são o motor do avanço científico em Oncologia. Em Portugal, a participação em ensaios clínicos ainda é limitada, especialmente na área da Neuro-Oncologia. É urgente criar condições para atrair estudos internacionais, garantir acesso equitativo aos doentes e fortalecer os centros de referência. Uma maior aposta nesta área permitiria não só o acesso a terapêuticas inovadoras, mas também a promoção e desenvolvimento de conhecimento próprio e de massa crítica nacional, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e maior esperança de sobrevivência dos doentes.

“Queremos recolher dados concretos sobre o impacto físico, emocional e social da doença, bem como sobre as principais lacunas no percurso de diagnóstico, tratamento e acompanhamento”

A APCCEREBRO tem a decorrer o estudo “Viver com Glioma 2025”. Porquê esta iniciativa?

O estudo “Viver com Glioma 2025” nasce da necessidade de compreender a realidade portuguesa dos doentes com tumores cerebrais, algo que até agora nunca tinha sido feito de forma sistematizada. Queremos recolher dados concretos sobre o impacto físico, emocional e social da doença, bem como sobre as principais lacunas no percurso de diagnóstico, tratamento e acompanhamento. Ao escutarmos diretamente os doentes, familiares e cuidadores, procuramos construir uma base de evidências sólidas dos principais desafios que enfrentam, e que permitam orientar políticas públicas de saúde, programas de apoio e prioridades de investigação.

 

O que farão com os resultados?

Os resultados do estudo serão analisados e publicados num relatório que será partilhado com autoridades de saúde, instituições académicas e associações de doentes. Pretendemos que esta informação sirva de instrumento de advocacy, isto é, enquanto uma influência positiva sobre políticas e práticas de saúde, contribuindo para um maior reconhecimento da patologia e para a criação de respostas mais adequadas. Além disso, os dados recolhidos serão utilizados para desenvolver novos programas de apoio da APCCEREBRO, nomeadamente a rede nacional de apoio psicológico e emocional que estamos a preparar, reforçando a proximidade e o acompanhamento ao longo de todo o percurso da doença.

Maria João Garcia

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