Aumento do consumo de alimentos ultraprocessados representa um desafio urgente para a saúde global
Este estudo da The Lancet ressalta, assim, a importância de agir rapidamente para conter o impacto dos alimentos ultraprocessados nas dietas globais, com uma abordagem integrada que envolva governos, organizações de saúde e a sociedade civil para promover escolhas alimentares mais saudáveis e sustentáveis.

O crescente consumo de alimentos ultraprocessados (AUPs) em todo o mundo está a colocar uma ameaça significativa à saúde pública, com “impactos devastadores” associados ao aumento de doenças crónicas. Este é o alerta deixado por três artigos publicados na revista The Lancet, que destacam a necessidade urgente de políticas coordenadas e ações de sensibilização para combater este fenómeno.
A nova série de artigos sobre Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana, da autoria de 43 especialistas internacionais, revela evidências de que os AUPs estão a substituir alimentos frescos e minimamente processados, contribuindo para dietas desequilibradas e prejudiciais à saúde. A pesquisa aponta que estes produtos, frequentemente ricos em açúcar, gorduras pouco saudáveis e aditivos químicos, estão a ser promovidos de forma agressiva pelas grandes corporações alimentares, que têm investido fortemente em marketing e lobby político para impedir a implementação de políticas públicas que favoreçam a alimentação saudável.
Carlos Monteiro, especialista da Universidade de São Paulo, no Brasil, explica que a mudança nos hábitos alimentares globais está a ser impulsionada por poderosas empresas alimentares que priorizam os AUPs devido ao elevado lucro gerado por esses produtos. “O crescente consumo de alimentos ultraprocessados está a mudar as dietas em todo o mundo, substituindo alimentos frescos e minimamente processados”, afirmou Monteiro, no comunicado divulgado pela The Lancet. “Estas corporações são apoiadas por um extenso marketing e lobby político que bloqueiam políticas de saúde pública eficazes.”
O estudo revela que dietas ricas em AUPs estão associadas a vários problemas de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, depressão e morte prematura. A pesquisa baseia-se em 104 estudos de longa duração, 92 dos quais associaram o consumo elevado destes alimentos a um aumento significativo dos riscos para diversas doenças crónicas.
Esses alimentos, segundo a classificação Nova, são feitos com ingredientes industriais baratos, como óleos hidrogenados, xarope de glicose/frutose e aditivos alimentares, como corantes e adoçantes artificiais, que são usados para melhorar o sabor e prolongar a durabilidade. Esta combinação de ingredientes, aliada a um baixo valor nutricional, contribui para uma alimentação desequilibrada e excessiva.
A série de artigos também aborda as táticas utilizadas pelas empresas de alimentos ultraprocessados para expandir o consumo, com o objetivo de garantir um mercado cada vez maior para os seus produtos. Estas estratégias incluem marketing agressivo, campanhas publicitárias apelativas, e a influência política para bloquear regulamentações e políticas que possam afetar os lucros. O estudo revela que as empresas de AUPs “coordenam centenas de grupos de interesse em todo o mundo, fazem lobby junto de políticos, realizam donativos políticos e envolvem-se em litígios para atrasar políticas”, constituindo assim o maior obstáculo à implementação de políticas eficazes.
Karen Hoffman, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, sublinha que é urgente uma resposta global coordenada para lidar com o poder desproporcionado das corporações de alimentos ultraprocessados. “Assim como enfrentámos a indústria do tabaco há décadas, agora é necessário que tomemos uma ação global ousada para conter o poder das grandes corporações alimentares e construir sistemas alimentares que priorizem a saúde pública”, afirmou Hoffman.
Propostas de políticas públicas para combater o consumo de AUPs
Para reduzir o impacto dos AUPs na saúde global, os especialistas propõem um conjunto de políticas públicas específicas, que devem complementar as legislações existentes. Entre as medidas sugeridas estão a redução do teor de açúcar, gordura e sal nos alimentos, a imposição de impostos sobre os produtos ultraprocessados e a implementação de restrições mais rigorosas no marketing destes produtos, especialmente para crianças. Os especialistas também defendem a proibição da venda de AUPs em instituições públicas, como escolas e hospitais, e a limitação do espaço que ocupam nos supermercados.
A especialista em saúde pública Camila Corvalan, da Universidade do Chile, sugere ainda a criação de impostos sobre os AUPs para financiar o acesso a alimentos mais nutritivos e acessíveis para a população. Além disso, é essencial que os sistemas alimentares apoiem os produtores locais de alimentos frescos, preservando as tradições alimentares e garantindo que os benefícios económicos da produção de alimentos regressem às comunidades locais.
Gyorgy Scrinis, da Universidade de Melbourne, na Austrália, reforça que as políticas públicas devem garantir que os alimentos frescos e minimamente processados sejam acessíveis e baratos, não só para quem tem tempo para cozinhar, mas também para as famílias mais ocupadas e indivíduos que dependem de opções alimentares práticas. “Só combinando uma regulamentação mais rigorosa sobre produtos alimentares de baixa qualidade com um apoio realista a escolhas mais nutritivas poderemos promover dietas mais saudáveis para todos”, conclui Scrinis.
SO/LUSA
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