“Além da estética do pavilhão auricular, a microtia pode estar associada a problemas auditivos”
Diogo Andrade Guimarães, especialista em cirurgia plástica no Hospital Dona Estefânia e na Clínica Ana Silva Guerra, fala sobre o impacto da microtia na audição e na saúde mental.
O que é a microtia?
A microtia é uma condição congénita que afeta o desenvolvimento do pavilhão auricular, a parte externa da orelha. Caracteriza-se por uma “orelha” de tamanho reduzido ou deformada, e em casos mais graves pode envolver a ausência completa da “orelha externa”, o que é denominado anotia. Esta malformação pode ocorrer unilateralmente, afetando uma única orelha, ou bilateralmente, envolvendo ambas. Embora relativamente rara, a microtia tem um impacto significativo na vida dos indivíduos que nascem com ela, especialmente no que diz respeito à audição e à estética.
Qual a sua prevalência e o que pode provocar esta condição?
Estima-se que a microtia ocorra em aproximadamente 1 a cada 6.000 a 12.000 nascimentos. No entanto, a prevalência varia conforme a região e o grupo étnico. Em países da América Latina e da Ásia, por exemplo, a microtia é mais comum, com taxas mais elevadas observadas, particularmente no Japão. Em Portugal, estima-se que todos os anos nascem cerca de 5-10 crianças com esta patologia. Relativamente às causas, acredita-se que a microtia tenha uma etiologia multifatorial, envolvendo uma combinação de fatores genéticos e ambientais. A exposição materna a certos medicamentos, infeções ou substâncias tóxicas durante a gravidez pode aumentar o risco de a criança nascer com essa condição. Além disso, a microtia pode ocorrer isoladamente ou como parte de síndromes genéticas, como a síndrome de Treacher Collins, que afeta o desenvolvimento craniofacial.
“Em muitos casos, a capacidade auditiva é reduzida no lado afetado, o que pode comprometer o desenvolvimento da fala e da linguagem em crianças”
Qual o impacto na audição ao longo da vida?
Além da estética do pavilhão auricular, a microtia pode estar associada a problemas auditivos, especialmente quando há ausência ou malformação do canal auditivo. Em muitos casos, a capacidade auditiva é reduzida no lado afetado, o que pode comprometer o desenvolvimento da fala e da linguagem em crianças, especialmente quando a condição afeta ambas as orelhas. Embora as questões de audição possam ser parcialmente resolvidas com o uso de aparelhos auditivos, a aparência da orelha muitas vezes leva a desafios emocionais e sociais, especialmente durante a infância e adolescência.
Que tipo de intervenções existem atualmente?
O tratamento da microtia envolve múltiplas especialidades médicas, incluindo cirurgiões plásticos e otorrinolaringologistas. A reconstrução do pavilhão auricular é realizada habitualmente após os 8-9 anos, dependendo da técnica utilizada. A técnica mais frequentemente realizada e aceite envolve a construção de um pavilhão auricular a partir de cartilagem costal em 2 tempos. No primeiro tempo cirúrgico constrói-se um “esqueleto” de cartilagem que se insere debaixo da pele, e num segundo tempo cirúrgico “descola-se” o pavilhão auricular do couro cabeludo, simetrizando com o lado oposto. Existem ainda estratégias alternativas como a utilização de materiais sintéticos ao invés da cartilagem, colocados debaixo da pele ou a utilização de uma prótese de pavilhão auricular “presa” no lugar da orelha. Estas últimas opções têm um maior risco de complicações. Além disso, a reconstrução com a própria cartilagem é aquela que dá o resultado mais duradouro e que o paciente sente a orelha como parte de si. Em casos de ausência do canal auditivo, aparelhos auditivos de condução óssea podem ser indicados para melhorar a audição.
MJG