
UCIBIO, Applied Molecular Biosciences Unit, Department of Chemistry, NOVA School of Science and Technology, Universidade Nova de Lisboa, Caparica, Portugal/ Associate Laboratory i4HB - Institute for Health and Bioeconomy, NOVA School of Science and Technology, Universidade NOVA de Lisboa, Caparica, Portugal
A história do monóxido de carbono e a sua potencialidade na medicina moderna
O monóxido de carbono é um poluente atmosférico que está associado à combustão incompleta do carvão e amplamente conhecido pelos seus efeitos tóxicos. O CO está presente na história da humanidade há séculos como um gás tóxico. Durante o século XX, descobriu-se que o CO era um gás produzido endogenamente, pois, em 1936, o CO foi encontrado no ar exalado de pacientes doentes1. Em 1951, este gás foi então identificado como um produto do catabolismo do grupo heme2. Foi apenas duas décadas mais tarde que Tenhunen e colegas identificaram a enzima responsável pela sua geração: a heme-oxigenase (HO)3. De facto, descobriu-se que a HO catalisa o primeiro passo da degradação oxidativa do grupo heme, produzindo Fe2 + livre, CO e biliverdina4. Em condições fisiológicas, a principal fonte de heme livre é a hemoglobina proveniente da renovação normal dos eritrócitos, com vida útil de 100 a 120 dias em circulação5.
Apesar de estar associado a efeitos tóxicos devido à sua capacidade de se ligar à hemoglobina e competir com o oxigénio, no final do século XX, a comunidade científica começou a explorar o papel biológico do CO e as suas potenciais aplicações terapêuticas. Em 1993, o CO foi descoberto pela primeira vez como um potencial neurotransmissor6.
Alguns anos mais tarde, foi descrito o papel anti-inflamatório do CO7. Desde então, houve um crescimento exponencial na investigação biomédica sobre o CO, que hoje é reconhecido como desempenhando várias atividades biológicas benéficas, tais como: anti-inflamatório, inibe a morte celular, anti-oxidativo, citoprotetor, regula a proliferação e diferenciação celular e a adaptação.
As potenciais e principais aplicações médicas englobam: transplantes, sistema cardiovascular (fenómenos de isquemia/reperfusão, tais como enfartes, acidente vascular cerebral, ou hemorragias), doenças inflamatórias (artrite reumatoide, esclerose múltipla, etc.), e começam a surgir estudos relacionados com o cancro e doenças neurodegenerativas.
O CO e suas funções e potenciais aplicações estão muito bem explicadas num livro, recentemente editado, sobre o CO em Biomedicina8. É importante notar que se o CO for administrado em concentrações equivalentes às produzidas endogenamente, há a grande vantagem de não apresentar efeitos secundários indesejados, uma vez que o nosso organismo está totalmente adaptado à esta molécula.
Potenciais aplicações na saúde humana
O grande potencial de aplicação na Medicina do CO como gasotransmissor terapêutico levou ao desenvolvimento de pró-fármacos que são moléculas libertadoras de monóxido de carbono (do inglês CO-releasing molecules – CORMs) que têm como objetivo a entrega de CO de forma específica e controlada nos tecidos e células alvo 9,10.
De facto, a utilização terapêutica do gás CO apresenta algumas limitações: a necessidade de equipamento médico especializado e a elevada afinidade do CO pela hemoglobina levam à formação de carboxiemoglobina, o que pode levar a uma diminuição no fornecimento de oxigénio aos tecidos. Assim, estratégias terapêuticas baseadas em CORMs são de grande interesse. Os CORMs são pró-fármacos compostos por complexos carbonílicos de metais ou metais de transição capazes de fornecer CO de forma controlada temporal e espacialmente9,10.
As estruturas químicas do CORM devem ter em conta várias características: solubilidade em água, velocidade de libertação de CO, biocompatibilidade, toxicidade (de toda a molécula e da estrutura química após a libertação de CO), absorção, distribuição, metabolismo e como são excretadas pelo organismo10.
Mais recentemente tem havido muita investigação em estratégias terapêuticas baseadas em nanomateriais para o encapsulamento e a entrega controlada do CO no organismo11. Além disso, estão em curso vários ensaios clínicos que utilizam CO inalado, disponíveis para consulta no clinicaltrials.gov.
Referências:
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- Tenhunen R, Marver HS, Schmid R. The enzymatic conversion of heme to bilirubin by microsomal heme oxygenase. Proc. Natl. Acad. Sci. [Internet]. 1968;61:748–755. Available from: http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.61.2.748
- Tenhunen R, Marver HS, Schmid R. Microsomal heme oxygenase. Characterization of the enzyme. J. Biol. Chem. [Internet]. 1969;244:6388–94. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/4390967
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