
Médico especialista em Psiquiatria do Hospital de Cascais Dr. José de Almeida; Assistente convidado de Psicologia Médica da NOVA Medical School da Universidade NOVA de Lisboa e membro integrado do Comprehensive Health Research Centre. Cocoordenador do livro Saúde Mental e o Trabalho (LIDEL)
Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção no Meio Laboral
A perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) – condição do neurodesenvolvimento prevalente em 1,5-3% da população portuguesa – caracteriza-se por desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade e prejuízo na funcionalidade global, incluindo trabalho. Esta surge na infância e pode persistir em até cerca de dois terços dos adultos, sendo o diagnóstico em idade adulta de novo possível, já que a condição pode ter passado despercebida ou não diagnosticada.
As crianças com menos manifestações externas de PHDA (como as raparigas) ou com QI mais elevado tendem a ser mais impercetíveis. Esta condição apresenta um curso flutuante, com períodos de maior ou menor expressão sintomática e (dis)funcionalidade, sendo que a hiperatividade/impulsividade tende a diminuir com a idade, mas a desatenção a persistir.
Além da disfuncionalidade e sofrimento intrínsecos, o reconhecimento da PHDA importa por se acompanhar, comparativamente à população geral, de maior risco de baixo desempenho profissional, abuso de substâncias, acidentes, exclusão social, obesidade e morte prematura, inclusive por suicídio. Ainda assim, estima-se que <20% dos adultos com esta perturbação sejam adequadamente diagnosticados e tratados, contribuindo para o desenvolvimento de comorbilidades (perturbações depressivas, de ansiedade, etc.).
O diagnóstico de PHDA é clínico e baseado em critérios definidos por vigentes referenciais de diagnóstico. Fenómenos como dificuldades na regulação emocional, excessiva divagação mental, hiperfoco e dificuldades no controlo inibitório ou na memória de trabalho podem acompanhar o quadro. Porém, existem numerosas combinações de apresentação, ainda mais complexificadas por comorbilidades psiquiátricas (60-80%), daí ser crucial uma avaliação por psiquiatria e desaconselhado o autodiagnóstico.
No plano laboral, a PHDA não é incólume. Num estudo da Organização Mundial de Saúde de 2008, entre 7.075 trabalhadores de 10 países, 3,5% apresentaram critérios diagnósticos de PHDA. Noutros estudos está associada a menor performance laboral, maior rotatividade de emprego e taxas de despedimento, menos emprego a tempo inteiro, maior absentismo e dificuldades na organização de tarefas, na gestão de tempo, no cumprimento de regras e na relacionação com colegas.
Com efeito, estes trabalhadores tendem a acumular adjetivações como desinteressados, distraídos, intempestivos, desrespeitosos, desmotivados ou procrastinadores. Contudo, as características que são, inicialmente, apresentadas como negativas podem, noutros contextos, mostrar-se vantajosas.
A intervenção médica junto destes trabalhadores assenta no diagnóstico e tratamento da PHDA e de eventuais comorbilidades em sede de consulta de psiquiatria preferencialmente dedicada a esta condição, com origem em referenciação de outros níveis de Cuidados Especializados de Saúde ou dos Cuidados de Saúde Primários, inclusive a partir da Medicina do Trabalho.
O uso de medicação psicoestimulante tem evidenciado efeitos positivos a nível da performance laboral, adaptação ao local de trabalho e absentismo. Assim, conforme nos indicam Ponte A. & Agonia Ferreira I., “o tratamento da PHDA deverá ser entendido como uma arma terapêutica valiosíssima, não só pelos benefícios sentidos pela pessoa em todas as esferas da sua vida, como pela sua tradução num maior sucesso organizacional.” Para uma revisão mais detalhada quanto à gestão e prognóstico destes trabalhadores, sugere-se a consulta de “Saúde Mental e o Trabalho”.
Não obstante, importa não descurar a potencialidade de proceder a adaptações no trabalho, em colaboração com a Medicina do Trabalho. Por exemplo, trabalhadores com PHDA reportaram maior capacidade de sustentação da atenção perante ambientes de trabalho altamente estimulantes, desafiadores, inovadores, exigentes de multitasking, acelerados, fisicamente exigentes e intrinsecamente interessantes. Assim, tal como diferentes trabalhadores podem lavrar distintos rendimentos do mesmo trabalho, também variados empregos poderão lavrar múltiplos resultados de vários trabalhadores, particularmente se maximizarem as potencialidades daqueles com PHDA.
Leitura complementar:
Ponte A, Agonia Ferreira I. Perturbação de hiperatividade e défice de atenção no trabalhador. In: Moura P, Gouveia A, editors. Saúde Mental e o Trabalho – Uma Abordagem Integrada da Psiquiatria Do Trabalho. 1st ed. Lisboa: Lidel – Edições Técnicas; 2025. p. 219-234. ISBN: 978-989-752-947-4.
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