
Enfermeira
O silêncio progressivo do corpo
As primeiras manifestações da esclerose lateral amiotrófica (ELA) são, habitualmente, perda de força num dos membros, espasmos ou rigidez, fala arrastada, dificuldades na deglutição. Gradualmente, perde-se o controlo de cada músculo e a capacidade de se mover, comer, falar, tossir, respirar. Esta é a história de cerca de 1000 portugueses[1] e de 350 mil pessoas em todo o mundo[2], que assistem conscientes ao silenciar progressivo do seu corpo.
A 21 de junho assinala-se o Dia Mundial da ELA, uma doença neurodegenerativa que resulta da perda de células nervosas motoras do cérebro e da medula espinhal e que conduz a uma fraqueza muscular progressiva e generalizada. Outros sintomas não motores são também frequentes, tais como depressão, dor, fadiga ou ansiedade, e, em alguns casos, podem igualmente estar presentes alterações cognitivas ou comportamentais.
Apesar dos esforços dos investigadores, esta é ainda uma doença incurável, pois não existe terapêutica que reverta tais danos neurológicos e as suas causas não estão completamente esclarecidas.
O diagnóstico acontece mais frequentemente entre os 55 e os 75 anos[3], e é, por vezes, demorado pelo facto de as queixas iniciais serem algo inespecíficas e comuns a outras doenças menos raras. Pelo contrário, a sua evolução é geralmente rápida, estando a sobrevida média estimada em 3 a 5 anos após o surgimento dos primeiros sintomas[4].
O tratamento passa pelo uso de um medicamento, cujo objetivo é retardar a progressão da doença, e pela ventilação mecânica. Esta, não só melhora a qualidade do sono e alivia a dispneia (falta de ar), como permite aumentar o tempo de sobrevida, já que a insuficiência respiratória e as complicações associadas à ineficácia da tosse, decorrentes do envolvimento dos músculos respiratórios, são a principal causa de internamento e morte em pessoas com ELA[5].
Apesar dos seus benefícios inequívocos, a ventilação não invasiva (e, menos frequentemente, a ventilação invasiva por via de traqueostomia) é muitas vezes apontada como fator de stresse para doentes e cuidadores, na medida em que as tarefas relacionadas com a gestão da terapia acrescem em cuidados e responsabilidade[6]. De facto, défices tão significativos e um curso de doença tão rápido têm um profundo impacto na pessoa com ELA, e constituem motivo de grande sobrecarga para a família.
Garantir a continuidade do tratamento e os cuidados mais adequados à pessoa com ELA, mas também capacitar e apoiar os seus cuidadores é, portanto, a nossa missão enquanto profissionais de saúde. E, se entendermos a ELA como a síndrome complexa que é, torna-se inteligível que, ao longo do curso da doença, seja necessário o acompanhamento de profissionais de diferentes áreas de especialidade. Neurologia, Fisiatria, Fisioterapia, Gastroenterologia, Nutrição, Pneumologia, Psicologia, Terapia da Fala, Cuidados Paliativos e Serviço Social são alguns exemplos, e todos serão necessários em algum momento. A sua coordenação, bem como a articulação entre os setores hospitalar e comunitário, constituem, porventura, um dos maiores desafios no nosso sistema de saúde para todos os intervenientes.
Por isso, todos os esforços são preciosos, quer sejam individuais e/ou organizacionais, desde que contribuam para melhorar o acesso atempado de cada pessoa com ELA à informação e a medidas terapêuticas que visem a promoção do seu conforto e qualidade de vida pois, quando se fala de ELA, o tempo urge sempre.
[1] Conde B, Winck JC, Azevedo LF. Estimating Amyotrophic Lateral Sclerosis and Motor Neuron Disease Prevalence in Portugal Using a Pharmaco-Epidemiological Approach and a Bayesian Multiparameter Evidence Synthesis Model. Neuroepidemiology. 2019;53(1-2):73-83. doi: 10.1159/000499485. Epub 2019 May 22. PMID: 31117082.
[2] Xu L, Liu T, Liu L, Yao X, Chen L, Fan D, Zhan S, Wang S. Global variation in prevalence and incidence of amyotrophic lateral sclerosis: a systematic review and meta-analysis. J Neurol. 2020 Apr;267(4):944-953. doi: 10.1007/s00415-019-09652-y. Epub 2019 Dec 3. PMID: 31797084.
[3] National Institute of Neurological Disorders and Stroke. Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS). Disponível em: https://www.ninds.nih.gov/health-information/disorders/amyotrophic-lateral-sclerosis-als. Acedido em: 14 Junho 2024
[4] National Institute of Neurological Disorders and Stroke. Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS). Disponível em: https://www.ninds.nih.gov/health-information/disorders/amyotrophic-lateral-sclerosis-als. Acedido em: 14 Junho 2024
[5] Pisa FE, Logroscino G, Giacomelli Battiston P, Barbone F. Hospitalizations due to respiratory failure in patients with Amyotrophic Lateral Sclerosis and their impact on survival: a population-based cohort study. BMC Pulm Med. 2016 Nov 3;16(1):136. doi: 10.1186/s12890-016-0297-y. PMID: 27809826; PMCID: PMC5094098.
[6] Andersen PM, Abrahams S, Borasio GD, de Carvalho M, Chio A, Van Damme P, Hardiman O, Kollewe K, Morrison KE, Petri S, Pradat PF, Silani V, Tomik B, Wasner M, Weber M. EFNS guidelines on the clinical management of amyotrophic lateral sclerosis (MALS)–revised report of an EFNS task force. Eur J Neurol. 2012 Mar;19(3):360-75. doi: 10.1111/j.1468-1331.2011.03501.x. Epub 2011 Sep 14. PMID: 21914052.