Investigadores do Porto estudam como o stress crónico altera o cérebro e o corpo para encontrar formas de o reverter
O objetivo final é identificar alvos terapêuticos que permitam desenvolver tratamentos para mitigar os efeitos do stress crónico. Pretende-se, ainda, entender por que razão há pessoas mais vulneráveis ao stress do que outras.

Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) estão a estudar os efeitos do stress crónico no cérebro e em órgãos periféricos, com o objetivo de compreender e reverter as alterações que provoca, revelou a coordenadora do projeto, Patrícia Monteiro.
Às vésperas do Dia da Consciencialização do Stress, que se assinala esta quarta-feira, a neurocientista explicou à agência Lusa que a equipa está a testar estratégias farmacológicas e genéticas para tentar reverter as alterações cerebrais associadas ao stress crónico e aos sintomas cognitivos e motores que dele resultam. “O objetivo é prevenir e tratar o stress”, resumiu a investigadora, cuja equipa trabalha neste projeto desde 2016 e já publicou três estudos científicos, entre 2022 e 2024.
Patrícia Monteiro sublinha que o stress agudo é um mecanismo natural de defesa, “uma espécie de alarme de incêndio que nos protege”. No entanto, o stress crónico é comparável a “um alarme invisível que nunca se desliga”, com impacto em todo o organismo: “Mais impulsividade, decisões menos racionais, problemas de memória ou depressão são algumas das consequências”, explicou.
A investigadora reforça que o stress “não é apenas uma resposta cerebral, mas sim uma resposta fisiológica global”, com alterações em várias zonas do cérebro e efeitos que só se tornam evidentes quando surgem sintomas comportamentais, como ansiedade, perturbações do sono ou falhas de memória. Utilizando técnicas de eletrofisiologia e proteómica, que registam a atividade cerebral e analisam as proteínas neuronais, a equipa tem identificado marcas físicas do stress crónico, incluindo uma desregulação proteica e diminuição da função do córtex pré-frontal, região associada ao controlo emocional e à tomada de decisões. “Estas alterações têm consequências negativas no controlo emocional, na memória de trabalho e na função executiva”, referiu.
Os investigadores descobriram ainda que, em situações de neuroinflamação induzida pelo stress contínuo, há aumento da produção de uma proteína chamada lipocalina 2 no fígado — um possível elo entre o estado emocional e o funcionamento visceral. “Falamos em pessoas com maus fígados e em inimigos figadais e não é descabido ligar as emoções a uma reação visceral”, comentou Patrícia Monteiro, com humor científico.
Para estudar a relação entre o stress e as suas manifestações fisiológicas, a equipa utiliza modelos animal, sujeitos a pequenas alterações no ambiente ou desafios de dominância, simulando situações de instabilidade e exigência emocional semelhantes às vividas por humanos — como cuidar de um familiar doente, enfrentar desemprego prolongado ou viver em contexto de guerra.
O objetivo final é identificar alvos terapêuticos que permitam desenvolver tratamentos para mitigar os efeitos do stress crónico. Além disso, os investigadores estão a analisar alterações genéticas (polimorfismos) que poderão explicar por que razão algumas pessoas são mais vulneráveis ao stress do que outras. “Entre militares que combateram na mesma guerra, uns desenvolvem stress pós-traumático e outros não. Pode haver uma base genética que determine maior suscetibilidade ou resiliência”, exemplificou a coordenadora.
Concluindo, Patrícia Monteiro deixou uma mensagem de alerta e esperança: “A ciência mostra-nos que o stress deixa uma marca física. Ela pode ser reversível, mas exige cuidados, hábitos saudáveis e tempo para recuperar. A saúde mental constrói-se todos os dias.”
SO/LUSA
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