19 Mar, 2018

Governo aprova dispensa de medicamento para prevenção de pré-exposição ao VIH

Para acederem à PrEP, as pessoas com risco acrescido de aquisição de infeção por VIH devem ser referenciadas a consulta de especialidade hospitalar de PrEP, que deverá ser criada para o efeito em todos os hospitais do SNS, sendo que a consulta deve ser efetivada no prazo máximo de 30 dias

Portugal já deu o primeiro passo no sentido de alinhar estratégias de modo a cumprir o objetivo proposto pela OMS para erradicar o VHI enquanto ameaça para a Saúde Pública até 2020. Fê-lo através da aprovação da implementação de um programa de acesso precoce para profilaxia pré-exposição da infeção por VIH, aprovado no passado dia 21 de fevereiro pelo INFARMED, abrangendo um número máximo de 100 indivíduos.

No despacho que institui a medida, assinado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, o Governo afirma considerar relevante a Profilaxia Pré-Exposição, constituindo-se como uma das abordagens a disponibilizar aos cidadãos, de forma a contribuir para a eliminação do VIH em Portugal. No documento, Fernando Araújo diz mesmo que “constitui uma prioridade a promoção do acesso à Profilaxia Pré-Exposição da Infeção por VIH (PrEP), tendo em vista a redução de novos casos”, incumbindo a DGS, em articulação com a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.), de apresentar no prazo de 30 dias a contar da data da conclusão do processo de avaliação prévia dos medicamentos a realizar pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED, I. P.) uma Norma sobre a Profilaxia Pré-Exposição da Infeção por VIH no adulto que aborde, entre outras matérias, as regras de prescrição e o acesso a medicamentos para esta indicação terapêutica bem como uma proposta para o processo de acessibilidade direta para a consulta de especialidade hospitalar, no âmbito da Rede de Referenciação da Infeção por VIH, para os utentes com risco de aquisição de infeção VIH.

Uma decisão que surtiu resultados a 13 de março, com a publicação da circular informativa conjunta (Infarmed, ACSS, DGS/SPMS), dirigida a todos os hospitais EPE, PPP e SPA e unidades locais de Saúde do SNS.

Neste documento, a que o nosso jornal teve acesso, informa-se que foi o programa de acesso precoce (PAP) para o medicamento contendo Emtricitabina + Tenofovir disoproxil Fumarato, na posologia de um comprimido por dia, indicado em associação com práticas de sexo seguro como profilaxia pré-exposição para reduzir o risco de aquisição da infeção por VIH, por via sexual em adultos de elevado risco”. O PAP agora aprovao limita o acesso ao tratamento a um máximo de 100 indivíduos.

Ainda de acordo com a norma, os medicamentos autorizados neste âmbito, são cedidos à entidade hospitalar perlo titular dos direitos desse medicamento (Gilead Sciences), isentos de encargos para o SNS”.

O acesso à medicação para utilização em profilaxia pré-exposição obedece a regras apertadas. Desde logo, os hospitais devem requerer ao INFARMED autorização para utilização deste medicamento para cada doente específico, devendo o pedido ser efetuado no módulo “Autorização para Doente Específico” do Portal SIATS, acompanhado de toda a informação necessária que assegure o cumprimento da Norma Orientadora da Direção-Geral da Saúde.

Para acederem à PrEP, as pessoas com risco acrescido de aquisição de infeção por VIH devem ser referenciadas a consulta de especialidade hospitalar de PrEP, que deverá ser criada para o efeito em todos os hospitais do SNS, sendo que a consulta deve ser efetivada no prazo máximo de 30 dias.

Os hospitais só serão ressarcidos, dos custos com os medicamentos se os mesmos forem dispensados no âmbito da consulta específica PrEP. As embalagens dispensadas no âmbito do PAP, só serão elegíveis para emissão de notas de crédito aos hospitais desde que dispensadas no âmbito da consulta PrEP”.

Fast track Cities…. A aposta da OMS para irradicação do VIH

Populações vulneráveis, Populações em maior risco, populações-chave são apenas algumas das designações que identificam os grupos populacionais que os programas de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e de Tratamento como Prevenção (TasP) pretendem alcançar, como passo determinante para a eliminação das infeções por VIH e VHC como uma ameaça para a saúde pública até 2020 e 2030, respetivamente. É este universo que subjaz à criação, em 2014, do conceito de fast-Track-Cities, ou, numa tradução livre para português, “Cidades na via rápida para acabar com a epidemia VIH”, um dos objetivos Fast-Track da UNAIDS, incluindo o objetivo do tratamento 90-90-90 que dezenas de países, entre os quais Portugal, assumiram concretizar até 2020.

E o que são exatamente “Cidades na via rápida para acabar com a epidemia VIH”? A definição não é fácil, já que integra uma multiplicidade de intervenientes e políticas específicas desenhadas para alcançar o objetivo da UNAIDS. Genericamente, pode-se dizer que as cidades Fast-Track são centradas geograficamente e epidemiologicamente, exercendo liderança política e comunitária, comprometendo-se com o uso transparente de métricas baseadas em dados e envolvidos em parcerias orientadas para a ação, principalmente com as comunidades afetadas, eliminando os “focos” de disseminação da epidemia através do rastreio e tratamento dos indivíduos que os integram.

A ideia nasceu em Paris em 2014, no Dia Mundial de Luta Contra a Sida, numa cerimónia em que os líderes de mais de 90 cidades consideradas prioritárias em termos de intervenção na área do VIH assinaram a que ficou conhecida por “Declaração de Paris”, comprometendo-se a acelerar, nas suas comunidades, as respostas ao VIH.

O objetivo, definido em conjunto pela International Association of Providers of AIDS Care (IAPAC), o Joint United Nations Programme on VIH/AIDS (UNAIDS), e o the United Nations Human Settlements Programme (UN-Habitat), e a cidade de Paris é o de que, através das Fast-Track cities seja possível alcançar, até 2020, as metas 90-90-90, segundo as quais 90% das pessoas que vivem com VIH sejam conhecedoras do seu diagnóstico, 90% dos diagnosticados estejam em tratamento antirretrovírico e 90% das pessoas em tratamento apresentem, sustentadamente, carga vírica suprimida. Adicionalmente, as três cidades terão como objetivos remover as barreiras de acesso aos serviços de prevenção, seguimento e tratamento das pessoas infetadas por VIH, para eliminar o estigma e a discriminação em complementaridade com os organismos governamentais, a sociedade civil, a academia e as pessoas infetadas e afetadas por VIH. Em Portugal, três cidades aderiram à iniciativa, assinando a declaração, no final de maio de 2017: Cascais, Lisboa e Porto. A cerimónia contou com a presença dos edis dos três municípios e do Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, que aproveitou o evento para apadrinhar a assinatura de um acordo de colaboração entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP e o GAT – Grupo de Ativistas em Tratamentos, que desenvolve um projeto de Profilaxia Pré-exposição (PreP) em Lisboa, em ligação com a autarquia.

“O objetivo passa por ir, geograficamente, identificar os locais onde se encontram essas populações que, muito provavelmente são os grandes catalisadores da transmissão da infeção”, começa por explicar António Diniz, Assistente Graduado de Pneumologia e Coordenador da Unidade de Imunodeficiência do Hospital de Pulido Valente, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, a quem coube moderar a mesa dedicada ao tema, no Virology Meeting Point, uma iniciativa da Gilead Sciences, que decorreu entre 2 e 3 de março, em Peniche. Isto porque, diz, “é nas cidades que se encontra a maior parte da população, os maiores desequilíbrios e as maiores vulnerabilidades. De que resulta um maior número de infeções e de pessoas a viver com a infeção por VIH”. Para o antigo coordenador do programa Nacional para o VIH/SIDA e Tuberculose, a escolha de Lisboa, Porto e Cascais para integrarem a primeira fase do programa nascido em Paris, suscita um reparo: “é que”, aponta, “há cidades portuguesas que são tão ou mais importantes enquanto alvos de intervenção prioritários do que as três referidas atrás, como as cidades de Sintra, Amadora e Loures”. Todas elas, explica o especialista, têm elevadas taxas de incidência de infeção. A Amadora, por exemplo, apresenta a segunda maior taxa de incidência de VIH a nível nacional e é o 11º município em termos de número de habitantes. Sintra apresenta a terceira maior taxa de infeção por VIH a nível nacional e é o segundo maior município em termos de população. Finalmente Loures apresenta a 6ª maior taxa de incidência de VIH e é também o sexto maior município português em número de habitantes. “É necessário intervirmos rapidamente, também, nestas cidades”, defendeu António Diniz, “sob pena”, alertou, “de não conseguirmos atingir os objetivos epidemiológicos que se pretendem alcançar com as fast-track Cities”. Para o pneumologista, controlar a infeção nestas cidades será, seguramente, controlar a infeção em Portugal”, defendeu.

“É também necessário refletir sobre o facto de que controlar a infeção implica, necessariamente, mais pessoas em tratamento, melhores tratamentos, mais pessoas com carga viral suprimida e também menos pessoas infetadas, o que pressupõe um reforço da atuação ao nível da prevenção”.

Portugal aderiu ao projeto, quer através da adesão das três cidades referidas quer também e o que é mais relevante, desenvolvendo trabalho preparatório da atuação no terreno. Para o efeito, foi criado, no âmbito da Direção-Geral de Saúde, um Grupo de Trabalho para definir uma Estratégia Integrada para a Eliminação da Epidemia de VIH e SIDA nas Cidades de Cascais, Lisboa e do Porto, grupo este coordenado pelo infeciologista Kamal Mansinho.

“fast change times”

António Diniz, Assistente Graduado de Pneumologia e Coordenador da Unidade de Imunodeficiência do Hospital de Pulido Valente, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, a quem coube moderar a mesa dedicada ao tema, no Virology Meeting Point, uma iniciativa da Gilead Sciences, que decorreu entre 2 e 3 de março, em Peniche

Até ao lançamento em Paris do projeto – e nos anos que se seguiram – muita coisa mudou, explicou António Diniz, para logo avançar exemplos: “Em 2011 foi apresentado o estudo HPTN 052, que incidiu sobre casais serodiscordantes e que veio demonstrar a eficácia do tratamento enquanto método de prevenção, tendo alcançado 96% de redução da taxa de transmissão do VIH entre casais. Um ano mais tarde é introduzido o conceito de Profilaxia pré exposição (PreP) nos Estados Unidos, uma nova estratégia que previne a infeção pelo VIH através da toma de um comprimido, o Truvada® (emtricitabina + tenofovir) que previne o VIH em mais de 99% dos casos. Em 2015, os estudos START (Strategic Timing of Anti-Retroviral Treatment), e TEMPRANO demonstram a eficácia do conceito Test and Treat e Treatment for all, ao demostrarem que o tratamento imediato, independentemente da contagem de CD4 ou de cópias do vírus em circulação, permite benefícios similares, independentemente de sexo, idade, raça/etnia ou região geográfica”. E sublinha: “os benefícios da TAR imediata foram comparáveis em países ricos, países em vias de desenvolvimento e em países pobres, o que é formidável”.

Prosseguindo, António Diniz recordou os estudos, publicados em 2015, cujos resultados recomendam a generalização da PreP e a aprovação, no Reino Unido, nesse mesmo ano dos primeiros autotestes para deteção do VIH”.

Segundo António Diniz, todas estas estratégias concorrem para a prevenção da transmissão, pelo que no contexto das fast track Cities, não podem deixar de ser consideradas.

A terminar, o pneumologista convocou a assistência para uma outra reflexão: “estamos todos mais velhos, facto que decorre da própria evolução demográfica a que hoje assistimos. Vivemos mais e melhor durante mais tempo, o que aplicado à infeção pelo VIH, se pode abordar numa dupla perspetiva: quem envelhece também adquire infeção e quem adquire infeção também envelhece. É nesta dupla perspetiva que a realidade do VIH em Portugal se traduz em novas infeções em pessoas com mais de 50 anos de idade, assim como temos cada vez mais pessoas com infeção com mais de 50 anos, a serem seguidas nos serviços de saúde. Em resumo, são três os desafios que temos que abordar”, apontou: “Primeiro, impedir a evolução da doença onde ela mais se concentra: nas populações vulneráveis e nas áreas demográficas onde elas vivem. O segundo desafio é o de adaptar a prevenção e o tratamento aos tempos atuais. Finalmente, adaptar a abordagem da infeção a uma população recém infetada em seguimento e cada vez mais idosa. E uma última nota: “se quisermos realmente atingir o objetivo de eliminar epidemiologicamente a infeção pelo VIH em 2030, não podemos esquecer o princípio, creio que aceite por todos, que se traduz no imperativo ético “no one left behind”.

Fast track, também para a eliminação da Hepatite C

Painel do Virology Meeting Point, uma iniciativa da Gilead Sciences, que decorreu entre 2 e 3 de março, em Peniche. Em debate: Fast-track Cities, como podem as cidades acelerar a eliminação?

Indissociável do objetivo de eliminação da infeção pelo VIH enquanto ameaça para a saúde pública, a eliminação da Hepatite C passou a integrar o objetivo da OMS, ainda que com prazo mais dilatado: 2030. Portugal é uma referência mundial no tratamento da doença ao ter decidido o acesso universal ao tratamento, independentemente do estádio da doença e pode conseguir vencê-la no prazo proposto pela OMS: chegar ao ano de 2030 com menos 90% de novos casos e com uma diminuição da mortalidade na ordem dos 65 por cento. De acordo com estimativas oficiais, em Portugal, estima-se que entre 0,4 a 1% da população seja portadora de hepatite B. Quanto à hepatite C, mais de 17 mil pessoas estão assinaladas como vivendo com a infeção crónica.

Mas será preciso fazer um rastreio a toda a população, defendem os especialistas.

O modelo de acordo firmado entre o Estado Português e a Gilead, empresa que à época em que se iniciou o tratamento comercializava o único antiviral de ação direta contra o VHC, inaugurou uma nova tendência em saúde: o pagamento com base no valor ou no sucesso. Dito de outra forma, no caso da hepatite C, só são pagos os tratamentos que resultarem em cura. Uma estratégia que seguindo o exemplo português foi adotada por muitos outros países e em diferentes patologias como são os casos da Suécia ou do País de Gales”.
No estudo Eliminar “A hepatite C em Portugal: da visão à ação”, coordenado pelo Professor João Marques Gomes, João Marques Gomes, investigador científico na Nova SBE – Nova School of Business and Economics, propõem-se medidas para lá chegar. A equipa que realizou o estudo falou com todos os intervenientes no processo, desde médicos a farmacêuticos e organizações não-governamentais. Também visitou prisões e acompanhou associações de apoio aos sem-abrigo e aos consumidores de drogas, população que apresenta uma elevada taxa de infeção. No decurso do trabalho foram identificados alguns constrangimentos, aponta Marques Gomes: “o rastreio é obrigatório à entrada da prisão. Mas depois, quando saem, deixamos de saber como chegar a estes grupos”. Como nunca se fica imune ao vírus, a reinfeção é um problema que se poderá vir a colocar cada vez mais no futuro. Até porque esta é uma doença altamente contagiosa – muito mais do que o HIV, por exemplo –, facilmente transmissível através de pequeníssimas amostras de sangue, como as que resultam da realização de tatuagens ou colocação de piercings, em que os dispositivos utilizados são reutilizados sem serem esterilizados.

Passo incontornável para a irradicação da infeção por VHC é a determinação do número de casos existentes em Portugal, o que passa, necessariamente, por um rastreio universal, seguindo-se o modelo também proposto para o VIH de que todas as pessoas devem realizar o teste pelo menos uma vez na vida. Para atingir o objetivo, bastaria que os médicos de família incluíssem o teste à hepatite C nas análises de rotina, defendem.

Refira-se que três anos depois de ter sido estabelecido um acordo para o tratamento com os dois primeiros medicamentos antivíricos de ação direta aprovados em Portugal (em 17 de fevereiro de 2015), o Portal da Hepatite C, gerido pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), informa que 15 mil doentes com hepatite C tinham iniciado tratamento e mais de 12 mil concluídos.

Relativamente aos resultados dos tratamentos, os dados disponíveis revelam que a taxa de cura se mantém nos 97%, com 8.870 mil doentes curados e apenas 305 não curados.

Até 14 de fevereiro, tinham sido autorizados 18.929 mil tratamentos em todo o país, a maior parte dos quais a doentes do sexo masculino (73%) e com uma média entre 50 e 55 anos, no caso dos homens e das mulheres, respetivamente.

De acordo com dados oficiais, o tratamento com os novos fármacos para a hepatite C evitou, só no primeiro ano de aplicação, 3.477 mortes prematuras e 339 transplantes hepáticos, poupando ao Estado 271,4 milhões de euros com tratamentos das consequências da evolução da doença.

Miguel Mauritti

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