
Professora Coordenadora Principal da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro; Presidente do Pain, Mind, and Movement Special Interest Group da International Association for the Study of Pain; e Coordenadora do livro Intervenção em Dor - Comunicação e Educação em Fisioterapia (LIDEL)
Dor crónica como sintoma ou como doença
A dor é um fenómeno global com uma prevalência elevada e um impacto individual e social muitíssimo relevante. Um estudo realizado em Portugal estimou uma prevalência média da dor crónica em 37%.1 O mesmo estudo verificou que a dor está associada a maior dificuldade em várias atividades do dia-a-dia, sendo as mais afetadas as responsabilidades relacionadas com as atividades familiares ou domésticas, recreativas, de ocupação/trabalho e o sono ou descanso.
A dor pode ser um sintoma ou uma doença em si mesma. A dor aguda é, geralmente, um sintoma e a dor crónica, habitualmente definida como uma dor com duração superior a três meses, pode ser considerada um sintoma associado a uma outra doença ou uma doença em si mesma. Quando a dor permanece após uma lesão ter cicatrizado ou uma doença ter sido tratada ou existe sem que se consiga identificar uma causa nos tecidos para essa dor, a dor pode ser considerada a doença e não um sintoma.
A Associação Internacional para o Estudo da Dor desenvolveu uma classificação que distingue entre dor crónica primária (a dor é a doença) ou dor crónica secundária (a dor é um sintoma associado a outra doença).2 São exemplos de dor crónica primária, a fibromialgia e a dor lombar crónica inespecífica. Nestes casos, a dor está mais associada a alterações químicas, funcionais e estruturais que ocorrem no sistema nervoso, tais como alterações no equilíbrio entre os processos inibitórios e facilitatórios endógenos, mudança nas áreas cerebrais envolvidas no processamento da dor, diminuição na concentração de neurotransmissores inibitórios, entre outros. São exemplos de condições em que a dor é considerada um sintoma, a artrite reumatoide.
Esta distinção entre a dor como um sintoma ou a dor como doença contribui para validar as queixas das pessoas com dor, independentemente de se conseguir identificar ou não uma causa. Legitima a dor da pessoa e reforça a premissa de que a dor é real e precisa de ser tratada. Mais, contribui para reduzir o estigma associado a alguns diagnósticos. Pensar-se na dor como doença implica considerar durante a intervenção os fatores que contribuem para a sua transição de aguda para crónica e para a sua manutenção ao longo do tempo, bem como considerar o seu impacto na pessoa. Estes fatores são diversos e incluem fatores genéticos, ambientais e biopsicossociais, requerendo uma intervenção multimodal e personalizada que considera a pessoa, o seu contexto e o tipo de dor.
As crenças sobre a dor, a sua origem e o seu significado carecem de ser exploradas e consideradas durante a intervenção, bem como o seu impacto na pessoa e nos que a rodeiam. Numa intervenção multimodal, centrada na pessoa, a educação, o exercício e a autogestão têm um papel central que a investigação tem enfatizado de forma bastante consensual. Estas abordagens são exploradas com maior detalhe e profundidade num livro recente que aborda a avaliação e intervenção na pessoa com dor numa perspetiva biopsicossocial. 3
Considerar que a dor pode ser uma doença constitui uma mudança de paradigma com elevado impacto positivo no tratamento da dor. Contudo, independentemente de ser considerada um sintoma ou uma doença, o relato subjetivo da experiência de dor é o padrão de referência e deve ser ouvido, respeitado e utilizado para informar a intervenção.
Referências:
- Azevedo LF, et al. (2012). Epidemiology of Chronic Pain: A Population-Based Nationwide Study on Its Prevalence, Characteristics and Associated Disability in Portugal. The Journal of Pain. 13(8):773-783.
- Nicholas M, et al. (2019). The IASP classification of chronic pain for ICD-11: chronic primary pain. Pain. 160(1):28–37.
- Silva AG. (2025). Intervenção em Dor: Comunicação e Educação em Fisioterapia, da editora Lidel
Artigo relacionado
Tratar a Dor em Cuidados Paliativos Pediátricos: Um Dever Clínico, Ético e Humanitário





