Demência nos Cuidados de Saúde Primários: a visão de um psiquiatra
A demência é um problema prioritário de saúde pública. Internacionalmente, a sua prevalência atinge 5,6 a 7,6% acima dos 60 anos. Após um estudo populacional (n=1405), o nosso grupo na Faculdade de Ciências Médicas (U. NOVA de Lisboa) estimou em 220 mil as pessoas com demência na comunidade, em Portugal continental, no ano de 2018 (1).
Partindo destes resultados, colegas da Faculdade de Medicina (U. Lisboa) avaliaram a carga da demência de Alzheimer nesse ano, estimando custos de 2 mil milhões € (1% do PIB) (2). Quanto às respostas, o contexto nacional é complexo e deficitário, nomeadamente na articulação entre serviços e nas modalidades psicossociais (3).
A própria natureza dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) os torna fulcrais, bastando lembrar os quatro pilares identificados por Starfield: cuidados de primeira linha, continuidade, abrangência e coordenação com outras instâncias do sistema de saúde.
Porém, estando mal caracterizada a forma como estes doentes e as famílias usam os CSP, será consensual que beneficiariam de apoios mais eficientes. As dificuldades relacionam-se com a complexidade das demências, com factores estruturais e sistémicos, e com as dificuldades das famílias e dos próprios profissionais (4).
Falta verdadeira comunicação e ‘partilha de tarefas’ entre equipas de CSP e serviços mais especializados; só assim se melhoraria a implementação das recomendações clínicas na demência (5), as quais preconizam intervenções abrangentes, a nível biológico, psicológico e social, e enfatizam modalidades não farmacológicas (6). A propósito, recomendo a leitura da tese doutoral da colega Conceição Balsinha, médica de família que analisou aprofundadamente, em diversos trabalhos, as dificuldades e potencialidades dos CSP no campo das demências (7).
Na verdade, os cuidados centrados nas pessoas (e nas famílias) são necessários a todos os níveis dos serviços de saúde e sociais.
Referências:
1) Gonçalves-Pereira M et al. How Many People Live with Dementia in Portugal? A Discussion Paper of National Estimates. Port J Public Health. 2021; 39(1):58–67.
2) Costa J et al. Custo e Carga da Doença de Alzheimer nos Idosos em Portugal. Sinapse. 2021; 21(4):201–11.
3) Gonçalves-Pereira M, Leuschner A. Portugal. In: Burns A, Robert P, eds. Dementia Care: International Perspectives. Oxford: Oxford University Press; 2019. C. 29; p. 219–30.
4) Balsinha C et al. Health-Care Delivery for Older People with Dementia in Primary Care. In: Ivbijaro GO, Mendonça-Lima C, eds. Primary Care Mental Health in Older People. Springer, Cham; 2019. p. 311–29.
5) DGS – Direcção Geral de Saúde. Norma 53/2011, actualizada em 2023: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica do Doente com Declínio Cognitivo ou Demência.
6) Gonçalves‐Pereira M, Marques MJ. Programas de intervenção psicossocial validados na demência. Formação disponível em Portugal com interesse potencial para equipas. Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental, ACSS, I.P., Ministério da Saúde. Portugal. 2022. doi: 10.34619/oir0-2pba
7) Balsinha C et al. Dementia and primary care teams: obstacles to the implementation of Portugal’ s Dementia Strategy. Prim Health Care Res Dev. 2022; 23(e10).