
Especialista em MGF, ULS São João - Unidade de Saúde Familiar Íris; Coordenação do Grupo de Estudos do Idoso/Geriatria da APMGF
Vacina da gripe – uma (nova) história de fugir com o braço à seringa
Nós clínicos poderíamos todos os anos fazer um top-10 das melhores justificações, facultadas por utentes, para não quererem ver administrada a vacina da gripe (para não mencionar sequer a vacina contra a COVID-19!). Desde o receio de ter a doença devido à própria administração, a histórias sobre efeitos-adversos mirabolantes, fábulas mágicas dignas das melhores séries dos canais de streaming.
A tendência para a diminuição da cobertura vacinal parece ser generalizada no contexto europeu e as medidas para tentar contrariar esta tendência estão a ser frustes. Tenho de admitir que é frequentemente difícil na prática termos disponibilidade para sensibilizar utentes sobre a importância da vacinação, não apenas pela priorização de outros assuntos na consulta. Se é desafiante explicar ao utente a importância de realizar a vacina normal, como o vamos convencer a fazer a dose elevada/reforçada – será a denominação mais eficaz? O alargamento dos pontos de vacinação não parece ter resultado particularmente bem, com taxas de vacinação menores, comparativamente a épocas em que a administração era concentrada nas unidades funcionais do SNS.
A vacina da gripe da dose elevada contorna, para já, este problema, já que todas as inoculações desta vacina são de administração obrigatória no centro de saúde. Na época de 2022/2023, a vacina de dose elevada foi administrada a residentes de Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI), similares e Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), sendo que na última época de 2024/2025 tivemos essa disponibilidade alargada a todos a utentes a partir dos 85 anos.
A verdade é que a evidência parece sugerir também o seu benefício em idosos mais novos, logo a partir dos 65 anos. Dados de diferentes épocas gripais e dos vários cantos do globo, apontam para menos episódios de gripe ligeira a moderada nos idosos a partir dos 65 anos. A evidência parece também apontar, particularmente em idosos a partir dos 75 anos, para menos internamentos relacionados diretamente com a gripe, menos complicações cardiovasculares e menos hospitalizações por todas as causas.
Embora na análise de subgrupos a eficácia da dose reforçada pareça ser mais robusta para utentes de faixa etária mais avançada, nomeadamente no que diz respeito a doença grave, o alargamento das indicações para a vacina da gripe de dose elevada parece fazer sentido. Para ser viável na prática a administração desta vacina, parece-me determinante que o stock das vacinas esteja garantido e chegue de forma atempada às unidades de saúde, de forma a não desviar utentes para realizar a vacina normal fora ou não a realizar de todo.
À luz da evidência atual, a importância crescente da vacina da gripe de dose reforçada nos próximos anos parece inegável, a grande questão que persiste é se efetivamente a vamos conseguir administrar.





