Arquivo de Mário Bernardino - Saúde Online https://saudeonline.pt/autor-so/mario-bernardino/ Notícias sobre saúde Fri, 19 Sep 2025 09:26:30 +0000 pt-PT hourly 1 https://saudeonline.pt/wp-content/uploads/2018/12/cropped-indentity-32x32.png Arquivo de Mário Bernardino - Saúde Online https://saudeonline.pt/autor-so/mario-bernardino/ 32 32 A Saúde Oral no SNS: Entre a Promessa da Universalidade e a Realidade do Acesso Limitado https://saudeonline.pt/a-saude-oral-no-sns-entre-a-promessa-da-universalidade-e-a-realidade-do-acesso-limitado/ https://saudeonline.pt/a-saude-oral-no-sns-entre-a-promessa-da-universalidade-e-a-realidade-do-acesso-limitado/#respond Thu, 18 Sep 2025 08:20:24 +0000 https://saudeonline.pt/?p=178727 Administrador Hospitalar

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Introdução

A saúde oral é uma dimensão essencial do bem-estar geral. Contudo, a sua integração nos sistemas públicos de saúde permanece um desafio em muitos países. Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem registado progressos desde a criação do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO), em 2005. Apesar disso, a promessa de universalidade continua incompleta: o acesso é seletivo, condicionado por critérios etários, clínicos ou socioeconómicos, deixando de fora a maioria da população adulta.

A questão central que emerge é inevitável: deve o SNS assegurar cobertura total da saúde oral ou assumir claramente que é parcial?

A evolução do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO)

O PNPSO foi o primeiro passo estruturado para integrar a saúde oral no SNS. Ao longo do tempo, registaram-se avanços importantes, mas sempre centrados em grupos-alvo específicos:

  • 2008 – Inclusão de grávidas e idosos em situação de vulnerabilidade económica.
  • 2009 – Formalização do PNPSO (Portaria n.º 301/2009) e criação do cheque-dentista, permitindo acesso gratuito a determinados atos de saúde oral para crianças, jovens, grávidas seguidas no SNS e beneficiários do complemento solidário para idosos.
  • 2010 – Alargamento a utentes com VIH/SIDA.
  • 2014 – Introdução da componente de intervenção precoce no cancro oral, com enfoque em grupos de risco.
  • 2015 – Expansão para jovens de 18 anos (após tratamento iniciado aos 16) e crianças com necessidades especiais de saúde.
  • 2016 – Determinação da instalação de gabinetes de saúde oral nos cuidados de saúde primários. Apesar da ambição, em 2020 existiam apenas cerca de 50 gabinetes ativos, insuficientes face às necessidades.
  • 2021 – Extensão formal do programa a todas as crianças a partir dos 4 anos e a todos os jovens até aos 18 anos, criando uma perceção de cobertura quase universal para os mais jovens.

A reformulação de 2023: universalidade no papel, restrição na prática

A Portaria n.º 430/2023 pareceu dar o passo decisivo ao estabelecer que o PNPSO abrange todos os utentes inscritos no SNS. Todavia, a realidade não corresponde ao enunciado legal.

Na prática, o acesso gratuito através do cheque-dentista continua reservado a grupos específicos: crianças e jovens até 18 anos, grávidas, idosos com complemento solidário, pessoas com VIH e cidadãos em risco acrescido de cancro oral. A restante população adulta depende de eventuais protocolos entre o SNS e as autarquias, frequentemente condicionados pelos orçamentos municipais, o que agrava desigualdades territoriais.

O resultado é uma “ilusão de universalidade”: no plano jurídico, todos estão abrangidos, mas na realidade o acesso mantém-se limitado e fragmentado.

A questão da cobertura total ou parcial

Perante este quadro, impõe-se uma reflexão de fundo: deve o SNS garantir cobertura total da saúde oral, ou assumir que é parcial?

Num cenário ideal, a resposta seria inequívoca — todos os cidadãos deveriam ter acesso pleno e gratuito a cuidados de saúde oral. Mas a limitação de recursos obriga a escolhas. O dilema é, portanto, político e ético: até que ponto o SNS deve investir na saúde oral face a outras áreas também críticas?

A posição dos sucessivos governos tem sido, até agora, tíbia. Afirma-se uma intenção de universalidade, mas adota-se na prática uma lógica restritiva. Este discurso ambíguo gera frustração e falta de clareza. Talvez fosse mais honesto e transparente assumir critérios explícitos: definir de forma clara quais os atos e populações abrangidos e quais ficam fora da esfera do SNS.

Essa definição permitiria:

  • Maior previsibilidade para cidadãos e profissionais;
  • Menor dependência de protocolos avulsos e desigualdades territoriais;
  • Discussão pública mais honesta sobre as prioridades em saúde.

Conclusão

A trajetória da saúde oral no SNS é marcada por progressos significativos desde 2005, com o PNPSO a introduzir novas respostas e a alargar a cobertura a grupos prioritários. Contudo, a reforma de 2023, apesar de ambiciosa no papel, não assegurou a universalização prometida. O acesso permanece desigual e dependente de fatores externos, como a capacidade financeira das autarquias. O dilema da cobertura total ou parcial continua por resolver. O SNS precisa de uma estratégia clara: ou assume a integração plena da saúde oral nos cuidados primários, com financiamento adequado, ou define transparentemente quais os limites da sua intervenção. Só assim será possível passar da promessa à realidade e assegurar que a saúde oral deixa de ser um privilégio condicionado e se afirma como um verdadeiro direito de todos os cidadãos.

Artigo relacionado

Entre Reformas e Falhas: por que o SNS precisa de mais que boa vontade

 

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Mais Médicos, Melhor Saúde? A Urgência de Reformar o Regime de Trabalho no SNS https://saudeonline.pt/mais-medicos-melhor-saude-a-urgencia-de-reformar-o-regime-de-trabalho-no-sns/ https://saudeonline.pt/mais-medicos-melhor-saude-a-urgencia-de-reformar-o-regime-de-trabalho-no-sns/#respond Fri, 25 Jul 2025 09:11:38 +0000 https://saudeonline.pt/?p=177499 Administrador Hospitalar

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Apesar de Portugal ter um dos maiores rácios de médicos por habitante, os problemas de acesso e a exaustão dos profissionais persistem. O verdadeiro bloqueio está na forma como o trabalho médico está organizado: um regime rígido, desajustado das necessidades do SNS e das expectativas das novas gerações. Este artigo propõe medidas para reformar o regime de trabalho médico e garantir um SNS mais sustentável, eficiente e centrado no cidadão.

 

Introdução

Em Portugal, o debate sobre a escassez de médicos contrasta com dados que nos colocam entre os países da OCDE com mais médicos per capita. Este paradoxo revela um problema estrutural frequentemente negligenciado: a forma como o trabalho médico está organizado.

Baseado na investigação “Determinantes do Trabalho Médico” (Almedina, 2022) (1), este artigo pretende sensibilizar os decisores políticos para a urgência de reformar o regime de trabalho médico – um eixo essencial para a sustentabilidade e resiliência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

 

O Paradoxo da Escassez

Apesar do elevado rácio de médicos por mil habitantes, a perceção de escassez persiste. Tal ocorre porque os dados agregam todos os médicos licenciados, mesmo os que não exercem clínica ou não estão no SNS. Além disso, o crescente desinteresse pelas vagas em internatos e concursos no setor público deve-se, sobretudo, às condições de trabalho, não à ausência de profissionais.

As novas gerações de médicos valorizam, legitimamente, a conciliação entre vida pessoal e profissional e rejeitam jornadas desajustadas à sua qualidade de vida. Este fenómeno é agravado por um regime de trabalho médico inflexível e desatualizado face às necessidades do sistema.

 

Regime Atual: Desajuste e Consequências

Ao contrário de outros profissionais de saúde (enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, técnicos, etc.), os médicos têm horários fixos entre as 8h e as 20h, de segunda a sexta-feira. O restante período da semana (64,3%) – 108 das 168 horas – é assegurado por 18 horas semanais de cada médico que não esteja dispensado de prestar serviço de urgência, por horas extraordinárias ou por recurso ao outsourcing.

As consequências diretas são amplamente conhecidas:

  • Exaustão e riscos clínicos: as jornadas de 12 ou 24 horas de trabalho consecutivas em serviços de urgência prejudicam a capacidade de decisão clínica e comprometem a segurança dos cuidados e a saúde dos profissionais.
  • Ineficiência: grande parte da carga horária é consumida em atividades de urgência, prejudicando a atividade programada.
  • Problemas de acesso: encerramento de serviços de urgência e a falta de médicos especialistas em várias valências e regiões do país.
  • Falta de flexibilidade: a modalidade de horário de trabalho por turnos não é aplicável, o recurso ao trabalho em regime de prevenção (on-call) é residual.

 

Modelos Europeus: Lições a Reter

Comparando com países europeus de referência – representativos dos sistemas de saúde tipo Beveridge e Bismarck:

  • França: Instituída a assistência ambulatorial não programada “Permanence Des Soins”, considerada uma missão de serviço público, organizada por médicos para responder às solicitações de cuidados fora do horário normal de trabalho. Métodos de contagem do horário de trabalho que incluem “tempo clínico registado” (39 horas semanais) e “temps texturant” (atividades adjacentes como formação, investigação, gestão), ambos com o limite máximo de 48 horas semanais por trimestre. A organização de equipas médicas por turnos é possível.
  • Alemanha: Estabelecido o princípio de que o horário normal de trabalho diário não pode exceder 8 horas, mas pode ser estendido até um máximo de 10 horas se a média em três meses for de 8 horas por dia. O tempo de trabalho semanal não pode exceder uma média de 48 horas por semana dentro de um período de 12 meses. Utiliza-se cuidadosamente diversos “modelos de serviço” e “sistemas de turnos” (com turnos de 8 ou 12 horas, especialmente em unidades de cuidados intensivos) para flexibilizar a cobertura médica em diferentes períodos do dia.
  • Reino Unido: As horas normais de trabalho são fixadas no contrato que geralmente inclui detalhes de quaisquer taxas de pagamento de horas extraordinárias e como são praticadas. O sistema distingue entre “resident on-call” (médico presente no local de trabalho) e “consultant on-call” (médico disponível em casa para atendimento não imediato). Além disso, os médicos podem trabalhar por turnos, com remuneração específica para os períodos noturnos ou de fim de semana (tempo premium).

Portugal destaca-se negativamente pelo modelo rígido de horário, a exclusão legal do trabalho por turnos, a escassa utilização do regime de prevenção e a manutenção das longas jornadas diárias.

 

Propostas Estratégicas para um SNS Sustentável

A organização da atividade médica não é uma questão de mera administração, mas uma intervenção crucial para garantir cuidados de saúde disponíveis e acessíveis. Medidas estratégicas:

  1. Plano Nacional de Recursos Humanos
    • Planeamento plurianual ajustado às necessidades do país.
    • Monitorização da capacidade formativa, do numerus clausus e das vagas para as especialidades mais carenciadas.
    • Distribuição geográfica dos recursos para assegurar assistência médica em todo o país.
  2. Adaptação do Regime de Trabalho
    • Integração plena de regimes por turnos e do modelo on-call, à semelhança dos pares europeus.
    • Alinhamento com as necessidades do funcionamento contínuo dos serviços.
  3. Fim das Jornadas Prolongadas e da Sistematização das Horas Extraordinárias
    • As práticas generalizadas de jornadas de trabalho superiores a 10 horas consecutivas violam as leis nacionais e internacionais e colocam em risco a segurança na prestação de cuidados, bem como a saúde física e mental dos profissionais.
    • Cumprimento das normas legais (máximo de 48h semanais).
    • Reposicionamento das horas extraordinárias como exceção.
  4. Promoção do Trabalho em Equipa Multidisciplinar
    • Horários compatíveis entre médicos e restantes profissionais para garantir continuidade e qualidade dos cuidados de saúde.
  5. Sustentabilidade Económica e Eficiência Operacional
    • Revisão do regime remuneratório, associada a uma análise de custo-efetividade dos novos modelos de trabalho.
  6. Reforço da Governação e Liderança do Sistema de Saúde
    • A autonomia e flexibilidade da gestão das instituições de saúde continua a ser um propósito.
    • A criação da Direção Executiva do SNS revelou-se uma resposta errada pelos encargos orçamentais e entropias que gera.
    • Propõe-se a transformação da Administração Central do Sistema de Saúde numa entidade dirigida por representantes dos principais grupos de atores (profissionais, gestores, utentes e decisores políticos), com competência para normatizar, planear e avaliar o sistema como um todo – público, privado e social.

 

Conclusão: É Tempo de Agir

A organização do trabalho médico é um pilar estratégico da reforma do SNS e do sistema de saúde em geral. A investigação citada (1) evidencia a urgência de políticas coerentes, que garantam a segurança dos profissionais, a continuidade dos cuidados e a sustentabilidade dos recursos. Reformar o regime de trabalho médico não é uma opção técnica – é uma decisão política inadiável. Para que o SNS seja acessível, eficaz e resiliente, é tempo de agir.

 

Referência

  1. Bernardino M. Determinantes do trabalho médico: estudo de avaliação em saúde. Coimbra: Almedina; 2022.

Artigo relacionado

Entre Reformas e Falhas: por que o SNS precisa de mais que boa vontade

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Estrutura organizacional, gestão e controlo interno como pilares para a sustentabilidade do sistema de saúde

Resumo

Este artigo analisa os desafios estruturais e de gestão enfrentados pelo setor da saúde em Portugal, com particular enfoque no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar das múltiplas reformas implementadas nas últimas décadas – desde a criação de centros hospitalares e empresarialização até à recente implementação das Unidades Locais de Saúde – persistem problemas crónicos relacionados com a subutilização de recursos, encerramento de serviços, défices de acessibilidade e insatisfação generalizada entre utentes e profissionais. O texto destaca o papel crítico do controlo interno, não apenas como uma obrigação legal, mas também como um instrumento estratégico para assegurar a eficácia, eficiência e transparência das operações. Argumenta-se que, sem estruturas sólidas de controlo e uma gestão eficaz, os esforços de reforma tornam-se insuficientes para garantir a confiança pública, a reputação institucional e, em última instância, a sustentabilidade do SNS.

Enquadramento

Nas últimas décadas, têm sido recorrentes as notícias de falhas críticas nas instituições do Estado Português, afetando setores como economia, finanças, proteção civil, defesa, administração interna, justiça, educação, saúde, entre outros. Essas fragilidades comprometem não apenas a reputação das instituições, mas também a confiança dos cidadãos.

A reputação institucional é um dos pilares fundamentais do Estado. Confiança gera reputação – e o contrário também é verdadeiro. Além disso, as variações na confiança, sobretudo em momentos críticos de conjunturas políticas, podem ter consequências graves para a estabilidade social e o ambiente democrático.

O desempenho das instituições públicas depende não apenas da sua estrutura, mas também da qualidade da sua gestão. Uma estrutura sólida, aliada a uma gestão competente, é capaz de fortalecer a reputação institucional, consolidar a confiança pública e gerar retornos significativos na esfera social e económica. (1)

Os casos que abalam a reputação das instituições do Estado têm sido particularmente frequentes desde o final da década de 1970:

  • As intervenções do Fundo Monetário Internacional na economia e finanças em 1977, 1983 e por fim a “troika” em 2011;
  • A queda da Ponte de Entre os Rios, em 2001, por falhas na manutenção de infraestruturas públicas que gerou a demissão do Ministro e seis secretários de Estado da área do equipamento social;
  • Os furtos de material de guerra na Carregueira em 2011, assim como Tancos e Santa Margarida em 2017;
  • Os relatórios dos incêndios de Pedrógão Grande e do Pinhal de Leiria em 2017 que apontaram falhas nos setores da agricultura, proteção civil e administração interna, e a aparente repetição de falhas em 2024;
  • O furto, detetado em 2017, de 57 pistolas Glock desviadas, durante um ano, da sede da Polícia de Segurança Pública;
  • O abatimento da Estrada Nacional 255 entre Borba e Vila Viçosa, em 2018, devido a falhas na manutenção e fiscalização de infraestruturas públicas;
  • A fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Alcoentre em 2024, as várias fugas prisionais que se seguiram ao 25 de Abril, e as quase 100 pessoas que conseguiram escapar das prisões nos últimos dez anos.

São do conhecimento geral muitos outros exemplos que, para alguns, indiciam a “Falência do Estado” (2) e estimulam prostração e insegurança.

O défice de estrutura e de gestão das instituições do Estado gera atraso no desenvolvimento económico do país. É um facto que o início do século XXI marcou o regresso da divergência de Portugal face à Europa mesmo relativamente “aos países que pertenciam ao outro lado da Cortina de Ferro e que entraram na esfera da União Europeia (UE)”. (3)

Também, a produtividade em Portugal continua abaixo da média da EU, em 2023. O país está entre os últimos colocados no ranking de produtividade laboral, atingindo cerca de 72-73% da média da Zona Euro. Apenas países como Bulgária, Grécia, Letónia e Roménia têm uma produtividade inferior. Este cenário tem-se mantido nos últimos anos, e Portugal tem perdido posições, sendo superado por países como Estónia, Letónia, Lituânia e Croácia​. (4)  (5)

Neste ponto, torna-se evidente que uma estrutura e uma gestão adequadas são capazes de minimizar as falhas no desempenho de cada entidade e, consequentemente, contribuir para o desenvolvimento económico do país. Neste contexto, a qualidade das políticas e dos procedimentos de controlo interno, concebidos e implementados pelos órgãos de gestão de cada entidade, revela-se crucial para assegurar: a realização económica, eficaz e eficiente dos seus objetivos; a conformidade com normas e políticas de gestão; a salvaguarda de bens e informações; a prevenção e deteção de fraudes e erros; bem como a qualidade dos registos contabilísticos e a elaboração atempada de informações financeiras e de gestão fiáveis.

Reconhecendo a importância de assegurar a reputação das instituições do Estado, importa questionar se o Governo dispõe efetivamente de um sistema de controlo interno ajustado à natureza, às características e aos riscos de cada Ministério e, dentro destes, de cada organização.

Discussão

No setor da saúde, particularmente no SNS, durante várias décadas, têm sido identificados os mesmos problemas (1), aparentemente sem solução:

  • Blocos operatórios subutilizados;
  • Serviços que só funcionam na parte da manhã;
  • Rotura dos serviços de urgência com encerramento desordenado;
  • Défice em acessibilidade e universalidade da cobertura;
  • Falta de coordenação entre os prestadores;
  • Insatisfação dos utentes;
  • Insatisfação dos profissionais;
  • Crescimento desequilibrado da despesa.

Estes problemas têm sido reconhecidos como estruturais (6), sendo múltiplas as iniciativas de procurar um modelo económico e de gestão ideais:

  • Criação de centros hospitalares (1999-2011);
  • Empresarialização (2002);
  • Parcerias público-privadas (2002-2009-2011);
  • Reforma dos cuidados de saúde primários (2005);
  • Rede de cuidados continuados (2006);
  • Hospitalização domiciliária (2018);
  • Transferência de competências para as autarquias (2019);
  • Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) (2022);
  • Direção Executiva do SNS (2022);
  • Unidades Locais de Saúde (2024).

As sucessivas reformas são, geralmente, acompanhadas do aumento da despesa. Em 2022 a despesa total do SNS ascendeu a 14.032,4 milhões de euros, representando um aumento de 2.352,6 milhões de euros em relação a 2020 e cerca de 2,35 vezes superior a 2000 (5.977,7 milhões de euros) (PORDATA).

Em contrapartida, segundo o Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde (7), também em 2022, quase 3% da população tinha necessidades de cuidados médicos não satisfeitas devido a custos excessivos, distância de deslocação ou tempos de espera. Esta percentagem foi superior à média da UE (2,2 %) e à taxa antes da pandemia (1,7 %). A percentagem de despesa em saúde financiada através de pagamentos diretos foi o dobro da média da UE. O número de utentes do SNS sem médico de família atribuído aumentou nos últimos anos.

No que reporta aos recursos humanos, apesar de a densidade de médicos em exercício em Portugal ser comparável à média da UE, o mesmo não acontece com os enfermeiros que, em 2021, era 13 % inferior à média. Por outro lado, a distribuição dos profissionais de saúde no país continua desigual, com 70% concentrados nas regiões de Lisboa e do Norte. (7)

No que respeita ao controlo interno, as iniciativas da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) remontam a 2007, quando foram lançadas ações de apoio às diversas unidades hospitalares para o desenvolvimento dos seus próprios manuais de procedimentos. Com esse propósito, foram divulgadas as melhores práticas de controlo aplicáveis aos principais processos da atividade hospitalar, tendo em consideração o seu impacto operacional e financeiro:

  • Manual de procedimentos administrativos e contabilísticos:
    • Contabilidade geral / orçamental / analítica;
    • Gestão de contas a pagar;
    • Gestão de contas a receber;
    • Gestão de compras;
    • Gestão de recursos humanos;
    • Gestão de tesouraria;
    • Gestão de imobilizado;
    • Logística / Farmácia;
    • Produção;
  • Manual de Auditoria Interna;
  • Metodologia de gestão de risco.

Nessa altura, o controlo interno era definido como um processo a efetivar pelos conselhos de administração, direção e colaboradores, devendo ser concebido para proporcionar confiança na concretização dos objetivos organizacionais, assegurar a eficácia e eficiência das operações e salvaguarda dos “ativos” da entidade, a fiabilidade da informação financeira, e a conformidade com a legislação e regulamentos aplicáveis.

Cabia ao conselho de administração de cada entidade desenvolver e adaptar esses manuais à sua realidade específica, respeitando as melhores práticas identificadas. No entanto, nos anos subsequentes, não se registaram desenvolvimentos relevantes que permitissem monitorizar a implementação efetiva dos referidos manuais de procedimentos.

Entretanto, em 2021, no âmbito do Regime Geral de Prevenção da Corrupção (Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro), foi estabelecida a obrigatoriedade de implementação de sistemas de controlo interno que assegurem a efetividade dos programas de cumprimento normativo (compliance), bem como a transparência e a imparcialidade nos processos e decisões. Entre os elementos essenciais, destacam-se:

  • Manuais de procedimentos de controlo interno baseados em modelos adequados de gestão dos riscos, de informação e de comunicação;
  • Políticas de transparência administrativa, com a divulgação de informações e documentos legalmente exigíveis ou de interesse público;
  • Medidas de prevenção de conflito de interesses, promovendo a imparcialidade de dirigentes e colaboradores;
  • Adoção de práticas que fomentem a concorrência na contratação pública, minimizando entraves administrativos e o uso excessivo do ajuste direto.

Assim, a conceção e a implementação de políticas e procedimentos de controlo interno pelos órgãos de gestão de cada entidade tornaram-se imperativas, estando previstas sanções – nomeadamente contraordenacionais – aplicáveis tanto ao setor público como ao setor privado, em casos de não adoção ou de adoção deficiente ou incompleta dos programas de cumprimento normativo.

Conclusão

Os problemas estruturais geram desacertos e falhas que evidenciam uma manifesta falta de proficiência nas instituições. Como consequência, quebram a confiança dos cidadãos, comprometem a reputação do Estado e fomentam a instabilidade social.

Por outro lado, tanto a estrutura como a gestão das instituições exercem influência direta no desenvolvimento económico do país e na produtividade laboral. Acresce que, sendo permanente a necessidade de inovação institucional, não existe – nem poderá existir – uma estrutura acabada e perfeita, devendo esta ser continuamente ajustada à estratégia e aos objetivos em evolução.

No âmbito da estrutura organizacional – entendida como o conjunto de leis, regulamentos, convenções, regras de gestão e outros instrumentos que definem como os recursos são empregues – as políticas e os procedimentos de controlo interno, concebidos e implementados pelos órgãos de gestão de cada entidade, assumem um papel crucial, sendo, além disso, obrigatórios por lei.

Neste contexto, compete à gestão não apenas utilizar a estrutura existente, mas também promover os ajustamentos necessários, alinhando-os ao planeamento, ao sistema de controlo interno e à avaliação dos resultados alcançados.

Referências 

  1. Bernardino M. Gestão em Saúde – Organização Interna dos Serviços. 2.a Edição. Coimbra: Almedina; 2025.
  2. LUSA PN. Manuel Alegre critica «falência do Estado» por «desleixo, incompetência e amiguismos». Observador [Internet]. 18 de outubro de 2017; Disponível em: https://observador.pt/2017/10/18/manuel-alegre-critica-falencia-do-estado-por-desleixo-incompetencia-e-amiguismos/?cache_bust=1706289726372
  3. Palma N. As causas do atraso português: repensar o passado para reinventar o presente. 4.a edição revista e atualizada. Alfragide – Portugal: D. Quixote; 2024.
  4. Leitão L. Há seis anos que Portugal está a afundar no ranking da produtividade europeia. ECO [Internet]. 4 de agosto de 2023; Disponível em: https://eco.sapo.pt/2023/08/04/ha-seis-anos-que-portugal-esta-a-afundar-no-ranking-da-produtividade-europeia/
  5. TPN. Portugal desce no ranking da produtividade europeia. The Portugal News [Internet]. 4 de agosto de 2023; Disponível em: https://www.theportugalnews.com/pt/noticias/2023-08-04/portugal-desce-no-ranking-da-produtividade-europeia/80140
  6. LUSA MC. Costa: «Há problemas estruturais do SNS que têm de ter resposta». Sábado [Internet]. 15 de junho de 2022; Disponível em: https://www.sabado.pt/ultima-hora/detalhe/costa-ha-problemas-estruturais-do-sns-que-tem-de-ter-resposta
  7. OECD. Portugal: Country Health Profile 2023. OECD Publishing; 2023.

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