20 Dez, 2017

Vacina contra a gripe tem eficácia muito inferior ao esperado

Especialistas alertam para a disfunção entre vacinas e extirpes ativas em cada ano. E um estudo indica, agora, que a eficácia da vacina da gripe é muito inferior à de outras doenças.

A vacina contra a gripe recomendada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) pode ter uma taxa de eficácia muito inferior ao esperado, segundo alertam os especialistas, tendo em conta situações similares em outros países e tendo também em atenção os resultados de um estudo, que indicam que a eficácia da vacina da gripe é inferior à das vacinas dirigidas a outras doenças.

A vacina da gripe é concebida para imunizar contra a extirpe sazonal do vírus da gripe, que este ano é predominantemente do tipo influenza A (H3N2), uma extirpe particularmente agressiva para alguns grupos da população, particularmente entre pessoas muito idosas com outras comorbilidades. Nos últimos anos, tem sido outro subtipo do vírus Influenza A o predominante: o H1N1, que causou a que ficou conhecida como “Gripe suína” e que, quando surgiu, em 2009, gerou grande alarme público.

De acordo com informação oriunda de diferentes centros de vigilância mundiais, o H1N1 não é o vírus influenza A mais prevalente em 2017, mas sim um outro subtipo: o H3N2, também do tipo A. No Brasil, por exemplo, dos casos de gripe identificados este ano, apenas 2% foram registados como sendo H1N1, ao passo que na maioria dos casos foram identificados como H3N2.

Eficácia de apenas 10%

No início do mês, peritos de saúde dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla inglesa) norte-americanos e da Organização Mundial de Saúde (OMS) alertaram para o facto da vacina administrada este ano nos EUA ter uma eficácia de apenas 10% face ao vírus dominante no país, o H3N2.

Filipe Froes, consultor da DGS para a área das doenças respiratórias desvaloriza esta falta de eficácia. “A vacina da gripe, para além de prevenir a doença, previne complicações mais graves. Um efeito que deve ser valorizado e que leva a que se recomende a vacinação a todos os indivíduos integrantes de grupos mais vulneráveis”, explica ao SaúdeOnline. Além disso, acrescenta, “sempre é melhor uma proteção de 10%-20% do que nenhuma, que é a alternativa”.

Na Austrália, o problema da menor eficácia da vacina atingiu uma dimensão preocupante, levando os especialistas a alertar para o facto de que, até meados de outubro deste ano, terem sido declaradas 215.280 infeções, que representam mais do que o quádruplo dos casos registados em toda a campanha gripal de 2009, ano em que a estirpe dominante foi o H1N1 e o número total de casos registados da doença se limitou a 59 mil.

Menos eficaz que outras vacinas

Além da falta de correspondência entre as extirpes cobertas pela vacina desenvolvida para uma determinada época sazonal, um outro problema, mais difícil de resolver, foi agora identificado. Num artigo publicado recentemente no influente New England Journal of Medicine, investigadores do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas dos EUA e do Centro Colaborativo para a Referenciação e Investigação da Gripe da OMS explicam que, mesmo quando a vacina desenvolvida coincide com as estirpes predominantes, a sua eficácia contra a gripe varia entre 40 e 60%, o que, apontam, é um resultado manifestamente inferior ao alcançado pelas vacinas desenvolvidas para prevenir outras doenças.

A estes dados, Filipe Froes contrapõe, uma vez mais, os benefícios da imunização, “mesmo que esta seja inferior ao desejado”.

“Uma taxa de 45% a 50% de eficácia, na população adulta, sobretudo com mais de 65 anos, não sendo a ideal, é muito aceitável e permite prevenir as principais complicações, que é o principal objetivo”, realça o especialista, em declarações ao Jornal Económico.

Segundo o consultor da DGS, esta baixa taxa de eficácia deve-se ao facto de a resposta imunológica diminuir com a idade, enquanto o modelo de produção da vacina atualmente em vigor recorre à cultura em ovos embrionários, num processo que nalgumas circunstâncias reduz a sua eficácia contra o vírus em circulação, uma vez que se sabe que o vírus sofre mutações no decurso deste processo de produção. “Neste processo, que é o principal utilizado a nível mundial, podem ocorrer alterações que reduzem a eficácia antigénica da vacina, conduzindo a situações como a que ocorreu este ano”, explica Filipe Froes, apontando que se trata de um problema difícil de resolver, mas que acabará por ser solucionado, “com a introdução de melhorias no atual modelo ou substituindo o modelo por outro mais eficaz”.

“O que não se pode é deixar de vacinar”, alerta. “Nem procurar soluções ‘milagrosas’, com custos que os países não conseguiriam suportar. É importante referir que a vacina da gripe, na sua forma atual, é bastante barata, o que permite que países com recursos limitados, como Portugal, possam adquirir grande quantidade de doses para imunizar os grupos de maior risco”.

Doença que ainda mata mais de 300 mil pessoas

O H3N2 é um subtipo do vírus Influenza A, um dos subtipos de vírus que causa a gripe, tal como o H1N1 e o H2N2.
Esta classificação é feita tendo como referência as proteínas de superfície, hemaglutinina (HA ou H) e neuraminidase (NA ou N).

Embora sejam ambos os vírus do tipo A (principal responsável por pandemias), os três subtipos apresentam estruturas e capacidades antigénicas diferentes, em resultado de rearranjos na sequência de aminoácidos que compõem as duas glicoproteínas de superfície.

O H3N2 foi o vírus responsável por uma das maiores pandemias de gripe da história, a “Gripe de Hong-Kong”, no inverno de 1968/1969, causada por uma estirpe descendente do H2N2 por mudança antigénica, na qual genes de vários subtipos reassociaram-se para formar um novo vírus. De acordo com estimativas da OMS, a “Gripe de Hong-Kong” terá causado a morte a um milhão de pessoas em todo o mundo.

Os principais sintomas da doença costumam surgir 24 horas após a infeção: febre repentina, tosse, dor de cabeça, dores musculares, dores nas articulações e coriza (inflamação da mucosa nasal). Além disso, nos casos mais graves, a pessoa infetada pode apresentar dificuldades respiratórias.

Para resolver o problema da falta de correspondência entre a vacina desenvolvida e a estirpe dominante, os cientistas defendem o recurso a outras tecnologias, tais como de ADN recombinante, através da qual são produzidas artificialmente proteínas a partir de genes clonados. No processo, são isolados genes individuais do ADN humano e inseridos em pequenos pedaços de ADN cortados com a mesma enzima, chamados plasmídeos. O plasmídeo recombinante é então injetado no organismo hospedeiro, provocando uma resposta imune.

As epidemias sazonais de gripe provocam anualmente entre 3 e 5 milhões de casos de síndromas respiratórias agudas graves, sendo responsáveis pela morte de entre 300 e 500 mil pessoas, de acordo com estimativas da OMS.

A doença afeta, sobretudo, idosos com outras comorbilidades (doenças que se desenvolvem num paciente ao mesmo tempo que uma outra já presente, ou algum transtorno principal).

MMM

 

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