8 Jan, 2018

Taxa do Sal : Escreveu-se direito por linhas tortas

A opinião de Manuel de Carvalho Rodrigues, Presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

Muito se tem falado, pouco se tem escrito ou discutido de forma séria e com base científica, sobre a tão famigerada “taxa da batata frita”

Mas, então como explicar que, sendo a Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) pioneira e, ainda hoje a mais acérrima combatente do sal, esteja ela de acordo com o chumbo da referida taxa.

É, pois, tempo, de uma vez por todas, de fazer entender a nossa posição.

Do ponto de vista conceptual somos contra taxar. Defendemos, ao invés, beneficiar quem, de forma voluntária, mostrar comportamentos consecutivos e, com impacto em termos de Saúde Pública, que conduzam a um menor teor de consumo de sal diário.

Permitam-me, então, rebater ponto por ponto, aquilo que estava em causa:

 – Tinha e, é minha convicção que continua a ter, o Governo intenção de baixar o teor de sal na alimentação dos Portugueses.

Está a SPH de acordo? SIM. Contem connosco.

– Que medidas tomou até hoje o Governo nesse sentido?

Que seja do nosso conhecimento, a primeira era a implementação da “taxa da batata frita”

Está a SPH de acordo. NÃO. Porquê? Abaixo se passará a explicar

– Mas afinal em que é que consistia a dita taxa?

– Segundo o que nos foi dado a conhecer, tratava-se de taxar em cerca de 8 cêntimos/tonelada, produtos considerados supérfluos para a nossa alimentação, nomeadamente e a saber, batatas fritas, cereais e snacks embalados, cujo teor de sal fosse superior a 1 gr de sal/100 mg de produto

Então, qual a razão, pela qual, a SPH estava e, continua a estar, contra esta medida?

– Analisemos, cuidadosamente, o teor desta proposta.

– Ponto número um: “produtos considerados supérfluos para a nossa alimentação”

Tem o Governo a consciência de que os cereais são dos produtos mais consumidos em todo o Mundo e, de que Portugal não é excepção?

– Independentemente de não ser um produto saudável, que efectivamente o não é, não é de todo possível considerar e apelidar de supérfluo um produto com a dimensão de grandeza, em termos de consumo, dos cereais.

– Mas, admitamos que o Governo estaria na disposição de rever o adjetivo.

Fica-se por aqui a nossa discordância. NÃO. E esta não é, nem de longe nem de perto, a principal e nuclear.

– Ponto número dois: “1 gr de sal/100 mg de produto”

Estamos, pois, a falar de 10 gr de sal / Kilo de produto.

Aqui, SIM, este é ponto nuclear na nossa discordância. Porquê?

– Em 12 de agosto de 2009, foi publicada a Lei n.º 75/2009, que estabelece limites máximos ao teor do sal no pão…

– Este diploma define que “… o máximo permitido para o conteúdo de sal no pão, após confecionado, é de 1,4 gr de sal/100 gr de pão…”, ou seja, 14 gr de sal / kg de pão ou o correspondente 0,55 gr de sódio/100 gr de pão.

– Já que estamos com a mão na massa, por curiosidade, permitam-me esclarecer outros teores desta Lei e, que globalmente são do desconhecimento da população:

A lei n.º 75/2009, “apenas se aplica ao pão com as denominações de venda pão de trigo, pão integral de trigo, pão de centeio, pão integral de centeio, pão de triticale, pão de mistura e pão de milho ou broa de milho cujas características estão definidas nas alíneas a), b), c), d), e), f) g) do artigo 4º da Portaria 425/98, de 25 de julho, que fixa as características a que devem obedecer os diferentes tipos de pão e de produtos afins de pão”.

– Pela leitura das alíneas do referido Artº 4º da Portaria 425/98 de 25 de Julho, ficam abrangidos pela presente lei todos os tipos de pão, incluindo o denominado “pão sem sal” e o “pão integral”,ficando excluídos desta obrigação os tipos de pão reconhecidos como produtos tradicionais com nomes protegidos, designadamente:

  • Pão especial – uma vez que no seu fabrico é permitida a utilização de outros ingredientes, tal como refere o ponto 5 do nº 7º da Portaria nº 425/98, cuja composição origina variedades de produtos com características muito específicas, não adequadas à fixação de um limite geral de teor de sal.
  • Pão contendo outros ingredientes – que pela sua natureza já comportam sal, como por exemplo enchidos, azeitona, etc. e em que a sua denominação de venda já não será apenas “pão”, mas sim “pão com chouriço”, “pão com azeitonas”, etc.
  • Pão reconhecido como produtos tradicionais com nomes protegidos – designadamente o pão de fabrico regional com características específicas ou em que os seus ingredientes têm características regionais reconhecidas pelo consumidor, tais como a broa de Avintes ou o pão de Favaios.
  • Produtos afins do pão.

Salienta-se ainda que em virtude da livre circulação na União Europeia dos produtos alimentares(4), ao pão fabricado pré-cozido noutro Estado-Membro não se aplica a Lei n.º 75/2009.

– Mas, voltemo-nos a debruçar sobre o essencial e nuclear:

Lei do Sal no Pão de 2009. Esta lei foi e, ainda é considerada pioneira em todo o Mundo. É motivo de mais 600 referências bibliográficas em artigos científicos da área da intervenção em Saúde Pública, dando como exemplo a seguir a lei portuguesa.

– Ora, o que a proposta do Governo ia provocar era algo muito simples e, do ponto de vista científico, simplesmente estrondoso: o nosso pão, considerado como dos menos salgados do mundo e, a nossa lei, considerada como uma das melhores, senão mesmo a melhor, passaria a ser, por lei, um pão altamente salgado!!

Podíamos estar de acordo: NÃO. É fácil de entender porquê: SIM, pelo menos assim o julgamos.

– Ponto número três: taxar em cerca de 8 cêntimos/tonelada de produto.

Segundo a própria retórica governamental, esta taxa, não levaria a que o produto final viesse a sofrer qualquer aumento para o consumidor, já que a percentagem devida em função do peso das embalagens comercializadas não é sequer, traduzível em cêntimos.

– Resultado final e prático: nenhum!

Quem consumia, continuaria, presumivelmente, a consumir, já que o preço não seria alterado.

– Impacto em termos de Saúde Pública: nenhum!

– Poderíamos, então, ser concordantes com este projecto? Nunca.

– Porquê? Viola o nosso ponto de vista conceptual: Taxar em vez de Beneficiar.

Não satisfaz, nem se traduz no único conceito de actuação que em termos de Sociedade Científica defendemos: Impacto na Saúde Pública.

– Quem sairia beneficiado com a proposta: Unicamente o Governo.

– Quem sairia prejudicado com a proposta: Unicamente a Indústria Alimentar.

– Em resumo, teríamos:

Alvo da nossa actuação: População – sem impacto.

Alvo de parceria estratégica como forma de conseguir impacto no alvo da nossa actuação: Industria Alimentarprejudicada.

Por mais que se esforçasse, nunca o Governo conseguiria descolar da ideia de esta proposta ser unicamente vista e considerada como uma nova forma de imposto. Mas foram estas as razões que levaram a Assembleia da República a chumbar a proposta governamental?

Genuinamente e, infelizmente, consideramos que não. Estamos em crer que foram razões de cariz político.

Sem querermos fazer política partidária, já que esse não é, nem nunca será, o nosso propósito, mas antes, dando voz ao sentimento corrente do comum do português:

Aos apoiantes do Governo, novos impostos/taxas não são toleráveis.

Aos opositores do Governo, colhe a ideia de que, qualquer proposta, antes mesmo de discutir é para chumbar.

Terminamos esta nossa explicação com um firme propósito: Mantemos a máxima e mais genuína disponibilidade para dialogar com o Governo e com a Assembleia da República, no sentido de se encontrarem medidas com suporte científico e de impacto na Saúde Pública.

Já o fizemos, por escrito, há cerca de quatro anos, embora sem qualquer resposta. Fizemo-lo, também por escrito, muito recentemente, embora também e até ao momento, sem qualquer resposta. Mas, porque acreditamos nas nossas convicções e nos nossos princípios, não vamos desistir, na certeza que Portugal e os portugueses merecem uma alimentação com menos sal, o que se traduz em menos hipertensão, menos AVC, menos mortes por doença cardiocerebrovascular e menos anos de vida perdidos.

Contem connosco.

Nós contamos com os nossos governantes, sejam eles executivos ou legislativos.

 

Manuel de Carvalho Rodrigues, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão

 

 

 

 

Nota: Texto escrito na grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990 por decisão do autor.

 

 

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