16 Dez, 2016

Saúde mental em Portugal com índices elevados de institucionalização

A saúde mental em Portugal, tema que será debatido hoje na Comissão Nacional para os Direitos Humanos, apresenta índices elevados de institucionalização e sobremedicação e um desafasamento entre compromissos e práticas, assinalam duas especialistas ouvidas pela Lusa.

Em declarações telefónicas à Lusa, Maria João Moniz, presidente da direção da Federação Nacional de Entidades de Reabilitação de Doentes Mentais, considera que “o mais grave problema de direitos humanos” em matéria de saúde mental são as “estatísticas muito elevadas” de “institucionalização de pessoas por razões associadas à sua saúde mental”, nomeadamente de institucionalização de longo prazo e de institucionalização da população mais idosa.

“Temos pessoas que viveram 40 anos ou mais da sua vida institucionalizadas, por não terem soluções alternativas. Este, sim, é talvez o mais grave problema de direitos humanos”, aponta a responsável da federação que integra 25 associações em todo o país.

Maria João Moniz – que hoje estará presente na reunião plenária alargada à sociedade civil promovida pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos, sob tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros – destaca ainda que “há um perfil de prescrição muito elevado”.

A sobremedicação de pessoas com perturbações mentais é considerada uma violação de direitos humanos. Mas, assinala Filipa Palha, presidente da direção da associação Conhecer-Se, falta assegurar que os compromissos são cumpridos.

“Nós não pagamos multas, por, por exemplo, uma pessoa com uma doença mental só ter acesso a tratamento farmacológico e psiquiátrico”, quando também precisa de psicoterapia e outras respostas, exemplifica.

Portugal tem “30 anos de atraso” nesta matéria, considera. “Chega de papel, chega de recomendações, estamos a fazer a recomendação do já recomendado x vezes”, critica a especialista, que não vai participar na reunião de hoje, no Palácio das Necessidades.

O plano de saúde 2004-2010, recorda Palha, alertava para a existência de “doentes em risco de hospitalização por falta de alternativa”, o que representa uma “violação de direitos humanos”.

Noutro relatório, feito dez anos depois, reconhecia-se que o tempo de espera para consulta facilitava os reinternamentos e obstaculizava a recuperação.

O Plano Nacional de Saúde Mental foi aprovado em 2007 e identificava, nessa altura, “graves lacunas”, lembra ainda. “Estamos em 2016 e sabemos que nada foi feito”, critica.

“Os direitos são violados diariamente, quando não permitimos que as pessoas acedam aos cuidados de saúde e às respostas de que precisam para ter uma vida com dignidade”, sustenta.

“Temos um bom plano nacional para a reforma dos serviços de saúde mental”, considera Moniz, acrescentando, porém, que este, por si só, não garante o cumprimento dos direitos das pessoas com perturbações mentais. “Não há razão nenhuma para que, em nenhum ponto do país, haja pessoas institucionalizadas apenas por questões sociais”, sustenta, defendendo que é preciso “prevenir a institucionalização”.

Moniz considera que “as instituições psiquiátricas estão obsoletas” e que se devem “reduzir ao mínimo os internamentos psiquiátricos”. Os cuidados continuados em saúde mental são uma “nova oportunidade”, acredita. Porém, deviam ter arrancado a 1 de julho e isso “não aconteceu”, assinala Palha, sublinhando que é preciso distinguir “boas intenções” e a realidade.

A Comissão Nacional para os Direitos Humanos – criada em 2010, que integra representantes de vários ministérios, para assegurar “o cumprimento das obrigações de direitos humanos” assumidas por Portugal – reúne-se hoje, em reunião plenária, com duas dezenas de organizações da sociedade civil, para discutir o tema da saúde mental.

LUSA/SO

 

 

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