Presidente do Hospital de Santa Maria diz que hoje é mais difícil substituir pessoal do que nos tempos da troika

No dia em que completa 5 anos à frente do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Carlos Martins concedeu uma entrevista ao jornal i, em que critica a omnipresença do Ministério das Finanças no funcionamento diário do hospital de Santa Maria.

O presidente do Hospital de Santa Maria, Carlos Martins, afirma que hoje é mais difícil fazer contratos de substituição de pessoal do que nos tempos da troika. “Na área dos recursos humanos é muito mais difícil substituir pessoas até por licenças constitucionais, seja gravidez ou proteção à família, do que era”, diz Carlos Martins, em entrevista ao jornal i.

“Não posso substituir sem autorização das Finanças se não fico sob alçada de responsabilidade criminal. No tempo da troika autorizávamos no limite e depois muitas vezes tínhamos as retificações”, lembra o atual presidente do maior hospital do país.

Ao longo da entrevista, publicada esta quarta-feira, Carlos Martins deixa críticas à subordinação da saúde para com o Ministério das Finanças e dá como exemplo a contratação de enfermeiros especialistas. “Os oito enfermeiros especialistas em ginecologia e obstetrícia que queremos contratar [depois de 17 destes profissionais terem saído] é um processo que não oferece dúvidas a ninguém e numa área bastante sensível. Fizemos todo o trabalho até com o cuidado de no processo de seleção conseguirmos que nenhum venha do setor público vêm do privado ou PPP Estávamos a contar estes enfermeiros ao serviço a 1 de fevereiro e ainda estamos à espera. O tempo de resposta na Saúde foi rápido”

Assumindo que não tem contacto com ninguém da equipa das finanças, Carlos Martins deixa um apelo: “A minha relação direta é com a Saúde, não é com as Finanças. Mas acho que é essencial que haja uma sensibilidade, em termos de futuro, diferente. A saúde tem de deixar de ser olhada como um custo e passar a ser olhada como um investimento”.

“Temos diariamente 5 mil a 7 mil doentes à nossa responsabilidade, temos à nossa responsabilidade estudantes da Faculdade de Medicina e de outras escolas, temos 700 internos em formação. Não é admissível que um conselho de administração de uma das 50 maiores empresas deste país tenha de pedir autorização para uma despesa de 35 350 euros”, acusa Martins, que considera que o hospital tem falta de autonomia.

“A austeridade não é uma página do passado. Quando digo que a página não está fechada é porque a saúde é um setor extremamente sensível a estas conjunturas de menor disponibilidade de recursos financeiros”, diz Carlos Martins, considerando que o impacto da austeridade se vai sentir até 2020.

“Há várias formas de austeridade e várias formas de cortes: os efetivos e táticos. Não sei qual é o pior corte: alguém dizer-me ‘não vais ter isto’ ou deixar-me na expectativa meses e meses a fio”, afirma Martins, que denuncia que existem concursos para a compra de equipamento hospitalar anulados por causa da burocracia do Ministério das Finanças.

No dia em que completa 5 anos à frente do Centro Hospital de Lisboa Norte, Carlos Martins recorda que, quando foi nomeado, gerou algumas dúvidas na comunidade hospitalar. “Terei eventualmente suscitado dúvidas, a reação de que talvez não fosse a pessoa certa para o lugar. Não era médico, não era professor da Faculdade de Medicina, não era administrador hospitalar de carreira, tinha sido deputado e feito uma parte importante da minha vida pública com fortes ligações à política, de que me orgulho”.

Em jeito de balanco, o antigo deputado lembra a situação económica em que se encontrava a instituição. “A situação era má: 300 milhões de dívida acumulada um prejuízo de 10/11 milhões de euros mês e uma perda de atividade de 38%. A situação mais desagradável que tive e ainda hoje tenho que é ter herdado uma dívida de 300 milhões e não a ter conseguido resolver”. Carlos Martins optou por não fechar o hospital Pulido Valente mas antes por seguir um caminho de maior eficiência na gestão dos recursos financeiros: “Nos últimos dois anos tivemos pela primeira vez resultado líquido positivo e um EBIDTA positivo. O problema é que não houve condições para amortizar a dívida”.

“Temos um conjunto de situações positivas. A que me orgulha mais é que a instituição conseguiu reagir e partindo de dificuldades reais, que eram não termos nem um euro para investimento e a condição financeira que já referi, recuperámos atividade assistencial, conseguimos melhorar a acessibilidade à instituição, aumentar a complexidade dos tratamentos, a cirurgia em ambulatório, o número de consultas, o número de partos”, diz Carlos Martins ao jornal i.

Contudo, o presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Norte lembra que “há um desajustamento no financiamento da atividade”. “Já tivemos momentos em que entre o contrato programa e a atividade real havia um desfasamento na ordem dos 75 milhões de euros”.

Questionado sobre se a exclusividade deve ser uma realidade no curto prazo, Carlos Martins pensa que “tem de haver um dia em que se comece a dar a opção aos jovens especialistas de fazerem horário integral no público ou então irem para o privado e será um processo que vai demorar uma década, o mesmo na carreira de enfermagem, com uma contrapartida salarial. Quem ficar no setor público tem de ficar em full time e exclusividade, ponto. Isto assim não é fácil, gerir recursos com horários diferentes, 30 horas, 35 horas, 20 horas… não é bom para ninguém”.

 

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