Mario Vargas Llosa <br>“Cinco esquinas”… E o mundo todo
“Cinco esquinas”… E o mundo todo Mario Vargas Llosa entrou […]

Mario Vargas Llosa
“Cinco esquinas”… E o mundo todo

“Cinco esquinas”… E o mundo todo

Mario Vargas Llosa entrou logo depois do burburinho que o anunciara, imponente, como que a desafiar os 80 anos que já leva. Elegante no seu fato cinzento, passo hesitante pela ocasião – encontro com público -, percorreu com o olhar o espaço, sem óculos, à procura de limites. A seu lado, Isabel Preysler passa discreta. Hoje o palco não é seu.

A tarde de um outono ameno com uma luz clara devolvida pelo rio cria um ambiente inspirador à conversa que se vai seguir. Entrevistado pelo jornalista Luís Caetano, respondeu em castelhano a uma série de perguntas (algumas efetuadas pelo público), que incluíram temas da semana que findava como a eleição de António Guterres para Secretário-geral da ONU, a entrega do prémio Nobel da Paz ao Presidente Colombiano e a ausência de nomeado para Nobel da literatura.

Diz que escreve por causa da sua curiosidade mórbida, que não tem fim. Não precisa de muito para o fazer, um canto sossegado, a que chama ‘casa’

Se a sua biblioteca o acompanhasse pelos muitos países onde já viveu, teria que seguir de barco, desabafa. Atualmente encontra-se dividida entre Madrid, Lima e Paris. Gostaria que ficasse toda em Arequipa, sua terra natal, no Perú, para onde todos os anos remete uma modesta dádiva. Porque lhe custa separar-se dos livros. Tem muitos, claro, mas também repetidos porque gosta de os reler e compra-os de novo.

Se tem dificuldade em avançar num texto escolhe «Madame Bovary» ou um episódio de «Guerra e Paz». Escrever é um trabalho duro, disciplinado. Compara-se a Flaubert quando diz que, no início, não tinha nem génio nem talento. Só a tenacidade e o sacrifício conseguiram que produzisse ‘algo’ que se visse.

Então e o Nobel? O deste ano espera-o para um europeu, Claudio Magris. Do seu, gostou da semana que recorda como um ‘conto de fadas’. Já o resto do ano foi cansativo. Viagens, feiras do livro, colóquios e mais obrigações. Quase sem tempo para escrever.

De «Cinco esquinas» falou pouco. Um bairro colonial degradado e violento, a luta contra uma ditadura que obriga ao recolher obrigatório. A de Fujimori, contra quem concorreu nas eleições presidenciais em 1990? Essa ou qualquer outra. Não diferem muito umas das outras. Na América do Sul existem duas: Cuba e Venezuela… E uma mão cheia de democracias… Com defeitos. Em alguns casos um ou mais ao mesmo tempo. Mas será difícil conseguir melhor. Os grandes inimigos da democracia, como a corrupção, coabitam-na.

Diz que a literatura também existe para memória futura, porque o ‘povo’ tende a sofrer lapsos de memória. Chama à colação Hugo Chavez: votaram nele seis vezes consecutivas, como é possível?! Os ditadores são todos iguais. Atiram umas migalhas… Uma escola, uma qualquer ação social, um monumento… E logo a censura, a tortura, o desaparecimento de pessoas tornam-se ‘secundários’…

A propósito do Nobel da Paz a Juan Santos Calderón, reconhece a sua luta contra as FARC e espera que alcance a paz para a Colômbia. Admira Nelson Mandela, confessando admiração com o facto de um país do ‘terceiro mundo’ ter produzido um tal herói.

O sexo, no livro, aparece como libertador da opressão. Se não tivesse existido a obrigatoriedade do recolher, aqueles dois seres não estariam tão próximos e a oportunidade talvez não surgisse. E como é escrever sobre sexo? Muito divertido, usando a imaginação e pensando no belo.

Está contente com a eleição de António Guterres e conhece o seu trabalho como Alto-comissário para os Refugiados. Espera que consiga ‘mudar’ o mundo durante o seu mandato.

Demagogo e perigoso. Assim descreve a Donald Trump para logo atirar: o pior é se o partido republicano ganha as eleições nos EUA.

Em final de conversa muito previsível, as questões que não podiam faltar. Mario Vargas Llosa é imortal? A pessoa não, a obra talvez. Qual o livro português que mais lhe agradou? «O Livro do Desassossego» (?) é uma obra inultrapassável da literatura portuguesa. E Lisboa? Uma cidade bonita e viva. Tem muitas livrarias. E uma cidade com muitas livrarias é uma cidade viva.

Espera que a morte seja um acidente. O pior é morrer enquanto se está vivo. Mario Vargas Llosa está vivo porque tem projetos, ideias, ideais e capacidade de trabalho. O próximo livro será um ensaio.

 

 

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