Jorge Torgal: É preciso separar definitivamente o “público” do “privado”

Jorge Torgal é o rival mais direto de Miguel Guimarães. O professor catedrático da Facudade de Medicina, embora tenha contra si o facto de ser lisboeta, apresenta um currículo académico e profissional mais denso

Professor catedrático da Nova Medical School da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Jorge Torgal candidata-se à presidência da Ordem dos Médicos depois de ter ocupado diversos cargos de topo no setor.
Em entrevista ao Jornal Económico, descreve o atual bastonário como “uma pessoa com uma presença forte na sociedade portuguesa”, mas que “não permitiu pôr cobro a uma realidade que é essencial mudar” e que aponta como principal razão para se candidatar: a participação dos médicos na vida da Ordem.
“Cerca de oitenta por cento dos médicos – os que habitualmente não votam nas eleições para os órgãos sociais da Ordem – continuam afastados da sua Ordem. Os novos e os menos novos, incluindo alguns dos nomes mais prestigiados da medicina portuguesa”, afirma.
Pretende alterar a situação promovendo a liderança pela Ordem dos Médicos na procura de solução para questões fundamentais para o exercício da medicina, recorrendo às novas tecnologias de comunicação, através da criação de plataformas de discussão a que todos os médicos possam aceder e manifestar a sua opinião. “Só assim se poderá dignificar a profissão”, sustenta.
Entre as questões fundamentais identifica, “desde logo, a filosofia do próprio sistema”. E exemplifica: “No atual modelo, os médicos são pagos unicamente pelo número de horas de trabalho que cumprem e não em função da produtividade ou da diferenciação do trabalho que realizam, nem tampouco pela qualidade ou pelo impacto em saúde desse trabalho”, aponta, dizendo que “esta é uma questão para a qual os médicos têm que encontrar resposta”.
“É preciso saber o que é necessário fazer para que o trabalho [do médico] seja valorizado nestas diferentes dimensões”, diz, defendendo que, “hoje em dia, isto é o bê-á-bá de qualquer empresa: tem de haver planeamento, avaliação, equipas e consequentemente, avaliação dos resultados”.
“Ora, cabe aos médicos através da sua Ordem, implementar este modelo organizacional”, sublinha, apontando que já é possível encontrar hoje experiências muito positivas no terreno, “como em algumas Unidades de Saúde Familiar e em Centros de Responsabilidade Integrados hospitalares”, onde se trabalha numa lógica qualitativa e valorativa do trabalho dos profissionais.

Jorge Torgal pretende concretizar isto através da criação de plataformas de discussão “onde todos os médicos possam participar, contribuindo com a sua opinião para que o resultado final seja o mais adequado ao fim em vista”. Mas mais do que isso: quer adotar a mesma metodologia para a tomada de decisão sobre os muitos temas que inscreve como prioritários no manifesto eleitoral: “Formação ao longo da vida, regulação da profissão médica, organização do Serviço Nacional de Saúde, carreiras médicas, valoração do papel do médico na sociedade”, entre outros.

O problema da informática
Jorge Torgal diz que a tarefa é difícil, até pela profusão de áreas onde é necessário atuar. “No domínio das tecnologias de Informação, a atual situação não é sustentável”, diz, explicando que o problema é transversal: “no plano da atividade médica, da melhoria da prestação de cuidados, da segurança dos próprios dados, da gestão, dos resultados”. E exemplifica “Aqui há dias foi introduzido um novo programa, alegadamente para apoiar o médico, em que este, para conseguir prescrever um saco para um doente colostomizado tem de abrir 13 ecrãs. Não é aceitável”.
Na formação, outra bandeira, Jorge Torgal propõe a criação de quadros de referência para formação e atualização ao longo da vida por área de especialidade, desenhados pelos colégios de especialidade, que compreendam os conteúdos considerados necessários a um exercício profissional a par com o progresso do conhecimento. E sustenta que a formação deve ser acompanhada de avaliação, propondo como referência a recertificação, que, segundo assegura, “mais cedo ou mais tarde, terá que ser implementada, seja por iniciativa da Ordem dos Médicos, seja por imposição de entidades externas”.
Defende, também, que a formação deve ser, dentro de certos limites, custeada pelo empregador, Ministério da Saúde ou entidade privada, como “acontece hoje em qualquer outro ramo de atividade ”.
No que respeita às escolas, Torgal está convicto de que as atuais universidades são suficientes para as necessidades do país, defendendo mesmo uma “redução de 15% face ao atual número de alunos por escola, de modo a manter o rácio assistente/aluno a um nível que garanta a qualidade do ensino ministrado. “Menos 15% de alunos, sem obviamente cortarem 15% nos orçamentos das universidades”, salvaguarda.
Outras das bandeiras da candidatura é a da separação gradual – mas definitiva – entre público e privado, mas extensível ao exercício profissional. “Ou se trabalha no público ou no privado. Não nos dois”, defende.
“O sistema que hoje vigora radica no facto de os médicos, ao longo de décadas – e ainda hoje – para conseguirem uma remuneração condigna, têm que acumular o exercício no SNS com a atividade privada. A separação tem de ser clara. Se é daqui a cinco ou sete anos, não interessa. Sabemos que vai levar o seu tempo. O que é importante é que se comece já a trabalhar nisso, devendo também aqui ser a Ordem a liderar o processo”, insiste.
Aponta, porém, que esta reforma tem de ser acompanhada de outra: do modelo retributivo do sector público, o qual, preconiza, tem de ser concorrencial face ao privado. MM

 

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