3 Dez, 2019

Colonoscopia aos 30 anos para doentes com Síndrome do cancro do cólon hereditário

Mesmo sem queixas, o exame deve ser feito de 3 em 3 anos nestes casos, diz o médico Carlos Sottomayor, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital Pedro Hispano.

Quais os grandes mitos que ainda subsistem em torno da colonoscopia?

O mais relevante é a ideia de que é muito difícil fazer a limpeza prévia do intestino com a ingestão de uma grande quantidade de liquido – se se seguir as instruções do produto não custa nada e é uma oportunidade de fazer uma boa limpeza aos intestinos. A própria colonoscopia também não dói. Pode provocar algum incómodo, mas hoje em dia, com a sedação o doente não sofre e os riscos de complicações são muito baixos.

Qual a importância deste exame na prevenção do cancro colorretal?

Não só pode detetar neoplasias malignas no seu início e na fase curável com necessidade só de cirurgia sem mais tratamentos, como deteta lesões pré-malignas (os pólipos intestinais), evitando o aparecimento de cancro. Portanto, é não só um meio de rastreio mas também de profilaxia do cancro do cólon. Se for realizado este rastreio de forma generalizada pode conseguir-se extinguir ou reduzir substancialmente este cancro.

Dr. Carlos Sottomayor

Em que faixa etária está recomendada a realização deste exame?

Deve ser realizada uma primeira aos 50 anos e, depois se for detetado sangue nas fezes, na análise anual. Só será preciso repetir se forem detetados pólipos ou neoplasia nessa primeira endoscopia de vigilância. A partir dos 75 anos, mantém-se vigilância clínica e só faz [o exame] se houver queixas.

Este exame deve ser feito mais cedo se houver histórico familiar ou queixas?

Sim. Nos casos de pólipos e cólica familiar ou síndrome de Lynch (síndrome do cancro do cólon hereditário) este exame deve ser realizado mais cedo, por volta dos 30 ou 40 anos conforme os estudos apontam, mas esta situação é extremamente rara e deve ser confirmada por análises. Nestes doentes, a colonoscopia deve ser repetida de 3 em 3 anos, mesmo que não existam queixas. É neste grupo de risco onde se mostra mais evidente o benefício da colonoscopia como método de rastreio e diagnóstico precoce da cancro do cólon.

Em caso de queixas sugestivas, como hemorragia ou fezes com sangue, dores abdominais fixas [constantes], massa abdominal palpável ou alteração dos hábitos intestinais também se deve fazer a colonoscopia de imediato.

No entanto, uma nova norma de orientação clínica, publicada há pouco tempo, recomenda que a colonoscopia não deve ser realizada de forma rotineira por doentes de baixo risco com mais de 50 anos. Como olha para esta NOC, publicado pelo BMJ?

Estes novos dados terão que ser incorporados nos guidelines internacionais e consensualizados. Terão de se definir muito bem os grupos de risco a quem se continuará a propor este rastreio – síndromes hereditários, doença inflamatória intestinal, antecedentes familiares de cancro do cólon e factores de risco associados, como obesidade, obstipação crónica, diabetes, entre outros. Esta alteração tem a ver principalmente com estudos de saúde pública e de uma avaliação de custo-beneficio na implementação destes programas de rastreio para a generalidade da população.

Há o risco de estarmos a fazer colonoscopias em excesso?

No contexto atual de Portugal, penso que ainda estamos no inverso dessa situação – fazemos colonoscopias a menos. O principal obstáculo é a falta de literacia médica da população, os mitos que existem e a resistência de fazer exames e análises quando não há queixas. A medicina ainda é encarada muito por todos – utentes e médicos – como uma actividade curativa que só é necessária quando há queixas ou doenças diagnosticadas e não uma actividade preventiva que tem como objectivo manter o estado de saúde e melhorá-lo evitando a doença.

Um estudo publicado este ano alerta para a aumento dos casos de cancro colorretal em adultos jovens. Estamos a assistir a uma mudança de paradigma, com este tipo de cancro a surgir em pessoas cada vez mais jovens?

É possível. E sabemos que esses casos escapam ao rastreio e, portanto, são em geral diagnosticados numa fase mais avançada e não são curáveis ou são muito dificilmente curáveis, com grandes custos para o doente e para a sociedade. Se o rastreio se iniciasse aos 40 anos já poderíamos conseguir diagnosticar precocemente alguns destes casos, visto que mais de 15% dos casos aparecem antes dos 50 anos.

Que desafios e inovações se esperam nos próximos tempo no que diz respeito ao tratamento do cancro colorretal?

O maior desafio é conseguir de facto implementar um programa de rastreio eficaz e de base populacional, e conseguir uma adesão plena da população, de forma a conseguir detetar os casos mais precocemente, sem necessidade de fazer quimioterapia ou radioterapia, poupando grandes aborrecimentos e encargos aos doentes e à sociedade, e fazendo em simultâneo a própria profilaxia deste tipo de cancro.

Por outro lado, tentar melhorar o tratamento dos casos avançados tentando controlar a doença com fármacos mais eficazes e menos tóxicos e conseguindo generalizar a todo este tipo de doentes o acesso a tratamentos locais nomeadamente das metástases hepáticas para as quais já existem muitos tratamentos eficazes. Nesta área da oncologia têm surgido poucos ensaios clínicos inovadores e poucos ou nenhuns medicamentos que alterem significativamente o curso da doença.

TC/SO

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