20 Nov, 2019

Diagnóstico da DPOC dificultado. “Metade dos centros de saúde não tem espirómetros”

Falta de espirometrias é um dos problemas mas há outros obstáculos ao diagnóstico, alerta o médico pneumologista Nuno Pires, do Hospital de Barcelos - que tem uma parceria com os centros de saúde da região nesta área.

A DPOC é já a 3º maior causa de morte no mundo. No entanto, a grande maioria dos casos continua por diagnosticar. O que está a falhar?

Durante muitos anos, a patologia respiratória foi vista como um parente pobre. O foco dos utentes, dos media e dos médicos estava mais nas doenças cérebro-vasculares. A DPOC é muito desvalorizada ainda. Há a ideia de que é apenas uma inflamação dos brônquios, algo muito benigno, que se tolera bem. Os médicos dos cuidados de saúde primários não estão muito alertas para esta patologia. Portanto, o subdiagnóstico é fruto de vários anos de pouca atenção.

Entre as 800 mil a milhão de pessoas que se estima terem a doença, apenas 50 a 60 mil tem o diagnóstico corretamente feito.

No caso da diabetes e das doenças vasculares, temos a Via Verde Coronária, um atendimento rápido, uma via verde do AVC. Quanto à DPOC, nada.

Estamos a falar de uma taxa de diagnóstico muito baixa.

Se olharmos para os números oficiais, que indicam 100 a 120 mil doentes com DPOC, estamos com uma taxa de diagnóstico na casa dos 15%. Mas, depois, destes doentes só 10 a 20% é que têm espirometria feita.

A Fundação Portuguesa do Pulmão defende, por exemplo, que os fumadores não devem esperar pelos 40 anos para fazer uma espirometria. Qual a sua opinião?

A questão dos 40 anos tem a ver com o facto de os ensaios clínicos indicarem que a DPOC só atinge pessoas a partir dessa idade. Mas é uma falsa questão porque nem todos os doentes acima dos 40 têm fácil acesso à espirometria.

É verdade que os ensaios clínicos falam nos 40 anos mas a própria definição da patologia tem vindo a mudar nos últimos anos. A DPOC é uma doença que atinge, primariamente, os pulmões mas que se torna numa patologia multissistémica. É uma doença prevenível e tratável. E o que está a acontecer? Não estamos nem a prevenir nem a tratar.

Eu dou razão a alguns colegas dos CSP que têm dificuldade no acesso a espirometrias. Por exemplo, na minha zona (em Barcelos), o serviço do hospital fez um protocolo com o ACES, no qual o ACES adquire os espirómetros e nós cedemos os nossos técnicos (em determinado dia e num dado horário) para irmos fazer as espirometrias aos centros de saúde. Os médicos de família são responsáveis por selecionar os seus doentes, que têm sintomas compatíveis com o diagnóstico de DPOC. Quando há boa vontade dos dois lados, conseguimos lá chegar.

Nestes casos, os médicos de família nem têm de realizar o exame.

Podem existir as duas vertentes. Quando os colegas dos CSP não têm formação, damos essa formação. Por outro lado, podemos disponibilizar diretamente o nosso técnico de cardiopneumologia, que faz a espirometria. Ou seja, nem precisa de ser o médico a fazer. O técnico faz e nós, no hospital, validamos o exame. O médico de família só tem de ir buscar à plataforma informática a espirometria e colocar lá o resultado.

Há outros fatores que dificultam o acesso, como por exemplo, dificuldades de conexão entre os CSP e os cuidados secundários. Em muitos locais, não há espirómetros, não há formação. E depois existe um outro problema: os centros de saúde continuam a dar muito enfoque às doenças cardio e cerebro-vasculares e às doenças metabólicas e pouca atenção à patologia respiratória.

Poderíamos estimar que menos de metade dos ACES tem espirómetros.

Embora não haja um estudo abrangente, podemos certamente dizer que metade dos centros de saúde não tem espirómetros. Sendo esta uma patologia cujo diagnóstico passa obrigatoriamente por esse exame, temos uma falha.

É possível controlar a função respiratória do doente se a DPOC for diagnosticada numa fase inicial?

Quanto mais precocemente a diagnosticarmos, mais facilmente conseguimos controlar a perda de função respiratória. Para isto muito ajuda a terapêutica que, colocada logo de início (inaloterapia), consegue não só controlar como devolver alguma da função pulmonar. Depois, e apesar do grande número de doentes que estão por identificar, a verdade é que diagnosticamos cada vez mais cedo. Têm havido melhoras na taxa de cobertura de espirometrias, embora haja ainda assimetrias entre o Norte e o Sul.

Por outro lado, e mesmo quando não se consegue o diagnóstico precoce, estamos a conseguir diagnosticar mais corretamente. Ou seja, diagnosticamos os utentes num estado mais avançado mas controlamos a DPOC com a medicação.

A que se deve essa melhoria no diagnóstico?

Por um lado, algumas USF já têm alguns indicadores respiratórios. Um deles, muito usado, é o FEV1, que é um parâmetro espirométrico que indica o grau de obstrução pulmonar. Quando alguns centros já têm este indicador, já estão mais alerta para fazerem espirometrias e para estratificarem o doente. Isso torna mais fácil adequar o tratamento a médico a longo prazo.

Isto depois permite controlar as exacerbações. Quantas mais exacerbações os doentes tiverem, maior é a taxa de mortalidade (TM). Alguns estudos mostram que a TM intrahospitalar por DPOC é maior do que do que por enfarte agudo do miocárdio. A TM a um ano também já é superior nos doentes com DPOC.

Isto porque as ferramentas usadas para o enfarte já estão muito oleadas, enquanto a DPOC não. Portanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Estamos com uma décalage de duas décadas em relação, por exemplo, à diabetes mellitus.

Portanto, embora tenhamos terapêuticas cada vez mais avançadas, as exacerbações continuam a potenciar a mortalidade.

Sim, as exacerbações são mais frequentes devido, essencialmente, ao incorreto diagnóstico, que faz com a função respiratória se vá deteriorando e é a causa das sucessivas hospitalizações. Os fármacos são desenhados para evitar esta espiral – estou a falar dos novos inaladores e as novas classes terapêuticas (tanto a dupla broncodilatação como a chamada terapêutica tripla fixa), que efetivamente reduzem as exacerbações. É preciso é colocar estes fármacos no doente certo. Agora, o reflexo disto vai ver-se a médio a longo prazo.

A DPOC tem também um impacto económico muito significativo.

Em Portugal, um estudo feito há 8/9 anos apontava para um custo de 700 milhões – metade deste valor deveu-se ao absentismo (faltas ao trabalho, reformas antecipadas, etc). A outra metade está relacionada com as hospitalizações.

TC/SO

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