Citomegalovírus, o perigo invisível e silencioso

"A infeção por CMV é quase sempre assintomática", alerta o médico hematologista Manuel Abecasis. 70 a 80% da população já terá sido infetada. Vírus pode reativar-se depois de um transplante de medula e levar à morte.

O que é o citomegalovirus (CMV) e como se transmite?

O CMV é um vírus ubiquitário no homem, pertencente ao grupo dos herpesvírus, transmitindo-se de pessoa a pessoa por contacto próximo e, mais raramente, de mãe para filho durante a gravidez ou o parto.

Quais são os sintomas mais comuns na infeção por CMV?

A infeção por CMV é quase sempre assintomática, raramente pode dar um quadro gripal, com febrícula, odinofagia e dores musculares.

 70 a 80% da população já terá sido infetada pelo citomegalovirus. Como é que se explica esta taxa de infeção tão elevada e como é que se pode evitar a infeção?

A incidência de infeção por CMV está associada ao nível de cuidados de higiene das populações, nos países mais desenvolvidos a prevalência da infeção na população em geral é baixa. Não há medidas específicas para evitar a transmissão da infeção, esta depende do desenvolvimento sanitário da população.

Que impacto pode ter o CMV nos doentes transplantados?

A infeção por CMV é particularmente relevante nos doentes submetidos a transplantação alogénica de medula óssea. Nestes doentes, sobretudo nos 6 meses que se seguem ao transplante, há uma imunossupressão profunda, resultante não só a utilização de imunossupressores como da inadequada reconstituição do sistema imunitário.

Em doentes CMV seropositivos, ou seronegativos transplantados com dadores seropositivos, o risco de reativação do vírus é elevado traduzindo-se em replicação viral ativa, ou viremia, que se não for tratada vai evoluir para doença de órgão, sendo a pneumonia por CMV a complicação mais temível dada a sua elevada mortalidade.

Há casos, menos frequentes em que pode acontecer doença de órgão sem que se detete viremia, o que acontece particularmente na infeção do trato gastro-intestinal. O quadro de esofagite ou colite por CMV pode ser confundido com toxicidade do condicionamento, doença do enxerto contra o hospedeiro, outras infeções, nomeadamente por C. difficile, sendo necessária biopsia com imunohistoquímica para permitir o diagnóstico correto da situação.

É frequente o CMV inviabilizar um transplante de medula óssea? Há dados que indiquem a percentagem de transplantes que não têm sucesso devido ao CMV?

A monitorização regular da viremia por PCR, realizada bissemanalmente nos primeiros meses após o transplante e a introdução atempada de terapêutica preemptiva, com ganciclovir ou foscarnet, veio reduzir dramaticamente as mortes por infeção a CMV nos doentes transplantados de medula óssea. A pneumonia por CMV, que nos anos 80 do século passado chegou a ser a principal causa de morte nestes doentes, é hoje uma raridade.

No entanto a infeção por CMV continua, de forma indireta, a condicionar o prognóstico destes doentes dado que está associada a um aumento da doença do enxerto contra o hospedeiro, da mortalidade associada ao transplante, a menor taxa de sobrevivência e a maior mortalidade por infeções bacterianas e fúngicas.

Estes efeitos indiretos são particularmente relevantes nos transplantes com dadores não relacionados, transplantes haploidênticos, transplantes com sangue de cordão umbilical e transplantes com depçeção linfocitária “in vivo” ou “in vitro”.

 Quais são as opções de tratamento que existem? É possível eliminar a infeção?

As opções de tratamento assentam essencialmente numa estratégia preventiva, utilizando o ganciclovir quando da positivação da virémia ou, em alternativa, o foscarnet ou o cidofovir. A toxicidade destes fármacos não permite a sua utilização profiláctica, e a infeção por CMV não pode ser eliminada, uma vez adquirido o vírus persiste latente no organismo e não é possível erradicá-lo.

Apcr introdução de um medicamento como o letermovir, desprovido de mielo e nefrotoxicidade, vai permitir a utilização de uma abordagem profiláctica, evitando a reactivação viral no período de maior fragilidade do doente e do enxerto, ou seja, nos primeiros 3 meses após o transplante.

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