Entrevista: Entre 103 e 309 mil portugueses têm Carcinoma Papilar

No âmbito do Dia de Sensibilização para o Cancro da Tiroide, assinalado esta terça-feira, o SaúdeOnline entrevistou a Dra. Maria João Oliveira, que alertou para o facto de o carcinoma diferenciado da tiroide não ter nenhum sintoma em específico.

Cinco por cento da população portuguesa tem nódulos da tiroide, sendo que destes 10% podem ser malignos, ou seja, cancro da tiroide. Como é efetuado o estudo do nódulo da tiroide?

O estudo do nódulo da tiroide é efetuado através de uma ecografia, que confirma se realmente a pessoa tem um nódulo ou não. Depois, se o nódulo tiver características suspeitas e tiver mais do que 1 cm ou 1,5 cm deve ser submetido a uma punção aspirativa (uma biópsia aspirativa com agulha fina) do nódulo tiróideo suspeito. O material [células] retirado da punção é analisado e vem com um estudo citológico das células e daí conseguimos afirmar, em cerca de 80%, se estamos perante um nódulo benigno ou maligno.

 

Qual a prevalência do cancro da tiroide no panorama atual português?

O mais frequente está no Carcinoma diferenciado da Tiroide e é o Carcinoma Papilar, entre 1 a 3% da população portuguesa a ser afetada pelo mesmo [ou seja, considerando que a população portuguesa é, atualmente, 10.3 milhões de pessoas, esta percentagem representa entre 103 mil e 309 mil pessoas]. Além disso, estima-se que este seja mais prevalente no Norte do que no Sul.

 

Existe alguma razão para essa diferença?

Pode ser uma questão de diagnóstico. Por vezes temos tumores que podem ser milimétricos e podem passar despercebidos e, eventualmente, pensamos que talvez no Norte a população seja abrangida por melhores cuidados de saúde do que no Sul do país. Consequentemente, as pessoas vão mais vezes ao médico, fazem mais exames e acaba por ser diagnosticado um maior número de carcinomas.

 

Sabe-se que a prevalência do Cancro da Tiroide assume especial relevância no sexo feminino. Qual a razão de esta ser uma patologia entre 4 a 7 vezes mais frequente nas mulheres? Quais as faixas etárias mais afetada?

O Carcinoma da Tiroide é mais frequente a partir dos 40 anos. Todas as doenças endócrinas são mais prevalentes no sexo feminino. Crê-se que terá a ver com o ambiente hormonal da mulher e não só. Algumas destas patologias podem ter uma base imunológica e as doenças autoimunes também são mais prevalentes no sexo feminino. Temos aqui então já duas causas que levam a que estas patologias apareçam mais em mulheres.

 

Sendo uma doença que pode ser assintomática e que cerca de 30% dos portugueses desconhecem os seus sintomas, a que sinais devem as pessoas estar alertas?

O cancro em si pode ser assintomático. Pode ter um nódulo maligno na tiroide e não saber que o tem. Muitas vezes acontece isso e ele [o nódulo] é detetável através de uma ecografia, que pode até ser realizada por outras razões.

As pessoas devem estar alerta se aparecer uma tumefação de aparecimento rápido na região anterior do pescoço, que aumenta progressivamente de tamanho tiver, que é mais dura e fixa e que cause rouquidão. São estes os sinais de alarme que deverão fazer a pessoa deslocar-se ao médico.

 

Quais são as possíveis causas desta patologia?

Não sabemos quais as causas destes cancros. Sabemos apenas que no carcinoma medular da tiroide pode haver uma causa genética, mas o cancro diferenciado da tiroide não tem nenhuma causa específica que seja conhecida.

 

Mas existem fatores que aumentam o risco…

Sim, existem de facto fatores que aumentam o risco de aparecimento do cancro, nomeadamente a exposição a altos níveis de radiação, como a radioterapia aplicada na região da cabeça ou do pescoço, a exposição a um evento nuclear ou ter historial familiar com pré-disposição genética para ter carcinoma medular da tiroide. Também algumas síndromes genéticas raras, como a síndrome de Cowden e Acromegalia, por exemplo, aumentam a probabilidade de vir a ter uma patologia oncológica na tiroide.

 

Que tipos de cancro da tiroide existem?

Existem vários tipos de cancro. O mais frequente é o Carcinoma diferenciado da Tiroide, que inclui o Carcinoma papilar [que representa 70 a 80% de todos os cancros da tiroide] e o folicular [representa entre 10 a 15% deste Cancro]. Depois temos outros tipos bastante mais raros, o Carcinoma medular [entre 5 a 10% dos casos] e anaplásico [menos de 2%] – este último com um prognóstico muito reservado e uma taxa de sobrevida que varia entre 6 meses e 1 ano.

 

A maioria dos casos são diagnosticados numa fase avançada ou precoce? Qual a taxa de sobrevivência a cinco anos?

Atualmente, o diagnóstico é realizado numa fase precoce. O prognóstico do Carcinoma Diferenciado da Tiroide é muito bom, com taxas de mortalidade inferiores a 1%, ou seja, a maior parte dos doentes é curado após o primeiro tratamento. A taxa de sobrevida a cinco anos é claramente superior a 95%.

O prognóstico do Carcinoma medular não é tão bom se quando é diagnosticado já tiver metástases ganglionares. De qualquer forma, a taxa de sobrevida aos 5 anos também é alta, igualmente superior a 95%.

Já o prognóstico do Carcinoma anaplásico é muito mau. A maior parte dos doentes morre nos primeiros seis meses após o diagnóstico, porque não temos nenhum tratamento que seja efetivo contra este cancro.

Quais os tratamentos possíveis? É sempre necessário cirurgia?

O primeiro tratamento é a cirurgia. [No entanto,] Existem tumores milimétricos que devido ao seu tamanho acabam por não ser alvo de procedimento cirúrgico. [Nesses casos,] Muitas vezes acabamos por apenas fazer a vigilância do nódulo, porque sabemos que a probabilidade do nódulo agravar e aumentar, atingindo as estruturas adjacentes é muito baixa (casos pontuais que acabamos por não tratar).

Na tiroidectomia é removida total ou parcialmente a parte da tiroide que comporta o tumor. Normalmente, é retirada toda a tiroide. Muitos casos de carcinomas da tiroide ficam resolvidos apenas com a cirurgia, mas em alguns casos é necessário fazer um tratamento complementar com iodo radioativo (é uma substância captada por algumas células da tiroide que, eventualmente, possam ter ficado no tecido após a cirurgia e que visa destruir essas células).

No caso de existirem também danos no pescoço afetado pelo tumor, o iodo 131 vai também destruir esses gânglios metastisados. Esta terapêutica aplica-se apenas no carcinoma diferenciado da tiroide, porque tanto o carcinoma medular como o anaplásico não captam o iodo radioativo 131.

[Relativamente à] Quimioterapia e Radioterapia, geralmente não são utilizadas no cancro da tiroide, com exceção dos doentes de casos mais complicados, nos quais os pacientes já não são sensíveis ao iodo radioativo. Existem atualmente alguns fármacos, tratamentos biológicos que são também usados, mas felizmente esses casos são raros.

Quais são as novas terapêuticas para estes carcinomas?

Existem novas terapêuticas da classe dos inibidores de tirosina-quinase (enzima necessária para a progressão do tumor), mas como lhe disse anteriormente, não são muito utilizados porque as outras terapêuticas geralmente são eficazes.

O mais utilizado em Portugal é o Vandetanib para o carcinoma medular, mas estes compreendem uma classe medicamentosa de última linha.

Os tratamentos baseados na imunoterapia têm sido cada vez mais aplicados nas mais diversas áreas da medicina. Neste tipo de cancro também pode ajudar na redução do tumor, no seu desaparecimento ou até como um complemento à cirurgia?

Não. A imunoterapia para já não está aprovada no cancro da tiroide. A imunoterapia é uma terapia muito especial que permite que o nosso sistema imunológico combata o cancro e na tiroide ainda não está comprovado que seja eficaz.

Quais as consequências na vida dos doentes após a cirurgia e/ou tratamentos?

Depois de ficarem sem a tiroide têm de fazer o tratamento de substituição com a hormona tiroideia, com a Levotiroxina, o que com a dose adequada o doente consegue levar uma vida normal.

Quais os impactos que esta patologia tem no dia a dia dos doentes oncológicos e doentes oncológicos em remissão?

Geralmente, não tem grande impacto no dia a dia do doente. Desde que façam a terapêutica de substituição, as pessoas costumam sentir-se bem.

A associação das Doenças da Tiroide alerta que metade das pessoas que sofrem com distúrbios tiroideios continuam por diagnosticar. Porque é que isto acontece?

Acontece porque a maior parte da sintomatologia é bastante inespecífica. O distúrbio tiroideio mais frequente é o hipotiroidismo e, na realidade, no início é pautado pelo cansaço, um ligeiro aumento de peso, falta de concentração, etc. Se não se pensar na tiroide, a pessoa acaba por não dar grande importância aos sintomas e, muitas vezes, o médico também pensa que o paciente pode ter uma depressão, estar com cansaço devido a excesso de trabalho, etc.. Por esse motivo, se não se fizer a análise tiroideia acaba por não se diagnosticar o hipotiroidismo, e assim, só quando a pessoa está mesmo muito sintomática é que é feito o diagnóstico.

Assim que é feito o diagnóstico é prescrito um tratamento com base em Levotiroxina, como quando é retirada parte ou totalmente a tiroide.

EQ/SO

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