24 Set, 2019

VIH cresce entre os jovens. “Sentido de alerta já não existe”

O ex-diretor nacional para o VIH nos EUA, que trabalhou com Barack Obama, admite que gerações mais novas não têm consciência do perigo do vírus. Douglas Brooks defende que a profilaxia pré-exposição (PrEP) tem o poder de representar a mudança na eliminação do VIH.

Douglas Brooks foi o primeiro afro-americano, gay e portador de VIH a ser nomeado diretor nacional para a área do VIH nos EUA, no caso, a convite de Barack Obama. Assistente social de profissão, liderou a atualização da Estratégia Nacional de VIH/SIDA norte-americana – um plano de 5 anos que orienta prioridades e princípios para responder à epidemia da infeção por VIH.

Concentrou esforços para chamar a atenção para as populações mais afetadas pela doença – como homens gays e bissexuais, especialmente homens afro americanos, homens e mulheres transgéneros e, também, a população que vive no sul dos EUA. Foi e continua a ser um apoiante da PrEP e incluiu isso mesmo na estratégia para reduzir novas infeções nos EUA. O SaúdeOnline esteve à conversa com ele, numa passagem recente por Lisboa, agora como Diretor Executivo de Envolvimento Comunitário da Gilead Sciences.

 

“É preciso usar [a PrEP] em conjugação com o tratamento que permite às pessoas ficarem virologicamente suprimidas”

Qual considera ter sido o maior avanço feito enquanto diretor nacional do VIH na administração Obama?

Ao nível das políticas, entrei para o cargo sabendo que tínhamos uma estratégia para o VIH que precisava de ser atualizada: incluímos a PrEP na prevenção do VIH (e isso não estava na estratégia original). Trabalhámos em conjunto com o Instituto Nacional de Saúde, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC).

Entretanto, saiu a nova estratégia. Ficou provado que o tratamento é também uma forma de prevenção.

Quais são as potencialidades da PrEP?

A PrEP tem o potencial de representar a mudança na eliminação do VIH como ameaça à saúde pública. Não acho que a PrEP por si só seja suficiente. É preciso usar este método em conjugação com o tratamento que permite às pessoas ficarem virologicamente suprimidas. Assim, estas pessoas ficam impedidas de transmitir o vírus. Estes fatores combinados – PrEP e a supressão do vírus – têm o poder de erradicar a epidemia como a conhecemos hoje.

Há estimativas em relação à poupança que a PrEP está a gerar nos EUA, no que diz respeito aos serviços de saúde e outros impactos?

Não lhe consigo dar um número concreto, mas penso que toda a gente concorda que a prevenção custa muito menos do que o tratamento. Mas estamos a falar de poupanças em torno das centenas de milhões de dólares.

“[Nos EUA], estão a aumentar as infeções entre afro-americanos e hispânicos. As nossas intervenções têm de ser direcionadas para essas comunidades”

Tendo que em conta que o Douglas é afro-americano e portador de VIH, quão importante é a ligação aos grupos de risco? E quão importante foi para essas comunidades ter alguém ‘de dentro’ a liderar a estratégia nacional para o VIH?

Essa é uma pergunta interessante. Posso contar-lhe o que as pessoas me diziam: os homens negros homossexuais, as mulheres negras, vinham ter comigo e diziam que o facto de estar a ocupar aquele cargo ajudava a eliminar o estigma, dava-lhes esperança para começarem ou, noutros casos, continuarem o tratamento. Não há dúvida de que é importante para estas pessoas sentir segurança, sentir que podem confiar no sistema.

Ainda há uns dias estive no Checkpoint Lisboa, do GAT, em que me disseram que contrataram uma pessoa de África para fazer parte da equipa. Este gesto faz uma diferença enorme para as pessoas africanas que precisam de ajuda.

A taxa de novas infeções tem caído nos últimos anos, mas, em alguns grupos, como homens negros homossexuais ou bissexuais, tem aumentado. Como se explica este contraste?

É um contraste doloroso. Recentemente, o Departamento de Saúde de São Francisco divulgou alguns dados que mostram uma forte redução de novas infeções e novos diagnósticos nessa área. Ao mesmo tempo, estão a aumentar as infeções entre afro-americanos e hispânicos. Isto acontece porque não estamos a conseguir chegar a estes grupos da maneira que podíamos e deveríamos.

As nossas intervenções têm de ser direcionadas para essas comunidades. Temos de garantir que as pessoas confiam em quem lhe leva a mensagem. Porque, nestes locais, onde há uma grande prevalência de VIH, onde as pessoas vivem com VIH, é mais fácil que o vírus se transmita. Por isso, é importante que tenhamos toda a gente em tratamento e virologicamente suprimida.

O que tem sido feito no terreno para trabalhar com estes grupos de risco?

Uma das coisas que fizemos quando atualizamos a estratégia para o VIH foi tornar claro que nos temos de focar em algumas populações. Há uma grande carga de doença [burden of disease em inglês, termo que contabiliza o impacto de uma doença em termos de mortalidade, morbilidade e outros indicadores] no Sul dos EUA, entre homens negros homossexuais, mulheres negras, homens negros e hispânicos transgénero. Tivemos alguma intervenção nestes grupos, mas é preciso fazer muito mais.

Pode dar exemplos de programas que estejam em curso junto desses grupos?

O CDC tem em curso projetos de intervenção que foram desenhados para chegar a estes grupos e está também a financiar várias organizações que trabalham nessas comunidades.

Mas devemos deixar essas organizações liderar a intervenção?

Sim, desde que tenham a capacidade para liderar o processo. Parte do nosso trabalho passa por reforçar essa capacidade. Temos organizações que não têm muita experiência ou conhecimento, mas que têm boas ideias. Existem outras mais pequenas que trabalham dentro das comunidades. Por isso, é preciso reforçar a capacidade de essas organizações conseguirem o dinheiro e os recursos de que necessitem.

“As outras gerações e a minha tiveram a vantagem de temer o vírus. Infelizmente agora, encontramo-nos numa posição estranha em relação à geração mais nova”

Como avalia a estratégia da administração Trump para a área do VIH?

Ainda é cedo para avaliar. Mas estou impressionado com o facto de o presidente Trump ter considerado este assunto importante.

Então considera que é possível atingir a meta de erradicar o VIH nos EUA até 2030?

Acho que é uma meta ambiciosa. Devemos trabalhar em conjunto para a alcançar. Agora, até lá, podemos fazer a diferença, baixando significativamente as novas infeções e os novos diagnósticos. Para atingir a meta, devemos colocar mais pessoas em tratamento, devemos ter mais pessoas a fazer PrEP.

Alguns países estão a caminho de cumprir as metas da ONU, mas outros, particularmente em África, estão longe. Acredita que os países mais ricos têm o dever de ajudar os mais pobres nesta questão?

Sou um defensor do fundo global [contra o VIH], do fundo de PrEP, uma iniciativa americana para ajudar esses países. Por isso, sim, temos o dever de ajudar os nossos irmãos e irmãs em África.

Portugal já atingiu a meta dos 90-90-90. No entanto, o número de infeções nos mais jovens [até aos 24 anos] tem aumentado. Isto significa que os jovens estão a ignorar os riscos?

Não sei se os jovens ignoram os riscos. As outras gerações e a minha tiveram a vantagem de temer o vírus. Infelizmente agora, encontramo-nos numa posição estranha em relação à geração mais nova. Recentemente falei com uma médica que me contou que deu o diagnóstico de VIH a um jovem de 23 anos. Esse jovem estava consciente da medicação e, quando soube do diagnóstico, perguntou: ‘Posso tomar um medicamento para isso, certo?’ É fantástico que já não se tenha de morrer com a doença, mas temos de aprender a usar o digital e as redes sociais (a que os jovens acedem todos os dias) para lhes fazer ganhar consciência, sem os assustar e lhes fazer crer que vão morrer.

Sente então que há falta de informação?

Acho que falta consciencialização. Não creio que não tenham medo do vírus, mas o sentido de alerta já não existe [entre os jovens].

Agora, como Diretor Executivo de Envolvimento Comunitário na Gilead, como é que continua a fazer a diferença nas comunidades de risco?

Sinto-me muito honrando por estar na Gilead. Temos um compromisso para com as comunidades de todo o mundo e temos sido capazes de fazer um trabalho incrível. Uma das coisas que tivemos oportunidade de fazer foi iniciar um projeto, chamado COMPASS, que se foca no sul dos EUA e através da qual vamos investir 100 milhões de dólares – durante dez anos – para reduzir as disparidades nessa região.

Recentemente, lançámos também o projecto RADIAN com a Elton John AIDS Foundation que se foca no combate ao VIH no leste europeu e Ásia Central.

TC/SO

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