Reciclagem: não só do lixo, mas também das células estaminais

Um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra demonstrou que a reciclagem e o controlo de qualidade das células estaminais podem ter um enorme impacto na medicina regenerativa e na luta contra o cancro.

Um grupo de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra demonstrou, numa parceria com investigadores da Universidade de Aveiro, da Universidade do Minnesota (Estados Unidos da América) e da Universidade de Oviedo (Espanha), que regular os processos de reciclagem e controlo de qualidade de células estaminais poderá ter um grande impacto na medicina regenerativa e na luta contra o cancro.

O estudo, realizado por Sílvia Magalhães-Novais e liderado por Paulo Oliveira e por Ignacio Vega-Naredo, foi publicado na revista científica Autophagy. O seu objetivo era tentar compreender como é que os processos de autofagia (reciclagem de componentes celulares) e apoptose (morte celular programada), responsáveis pelo controlo de qualidade celular nos diferentes tecidos, conseguem aumentar a competência das células estaminais, cuja função é originar vários tipos de células no nosso organismo.

Este estudo poderá ter uma grande importância na medicina regenerativa, uma vez que sugere estratégias para manter saudáveis durante mais tempo as células estaminais dos nossos tecidos.

“Todos os nossos tecidos têm um reservatório de células estaminais, que vai sendo perdido durante o envelhecimento. Estas células têm de possuir um sistema de certificação de qualidade e resistência perante condições desfavoráveis, para que mantenham viáveis e com a capacidade de substituir as células mais diferenciadas que vão sendo perdidas”, esclare o investigador do CNC Paulo Oliveira.

 

“À medida que vamos envelhecendo, os reservatórios de células estaminais vão-se esgotando, uma vez que estas vão perdendo a sua capacidade de gerar células mais diferenciadas corretamente, acumulando erros no processo. Se compreendermos como é que estas células estaminais mantêm a sua qualidade, nomeadamente a reciclagem do lixo acumulado, ou um metabolismo saudável, poderemos preservar a sua função de regeneração de tecidos. Queríamos tentar perceber como é que conseguiríamos minimizar a transmissão de danos para células-filha, e garantir a fotocópia perfeita”, explica.

No estudo, que teve início em 2009, a equipa de investigadores utilizaram células embrionárias de carcinoma de ratinho como modelo de estudo. Estas células têm a capacidade de se diferenciar em vários tipos de células, desde cardíacas a neuronais. Por esse motivo, a equipa utilizou duas populações destas células, as células que se mantiveram estaminais e as célulass cuja diferenciação foi induzida por um processo químico. No decorrer da investigação, os cientistas observaram que os processos de reciclagem se iam perdendo à medida que as células se iam diferenciando – processo semelhante ao envelhecimento –, levando a uma acumulação de ‘lixo’ prejudicial para as mesmas.

“Esta linha celular é uma espécie de ‘lado negro da força’ das células estaminais, por ser derivada de um carcinoma embrionário, mas permite observar o processo da diferenciação em detalhe. Quando observámos estes eventos nas duas populações, observámos uma acumulação de lixo nas células, e mais componentes defeituosos, como mitocôndrias, as nossas fábricas de energia, em células diferenciadas”, diz Paulo Oliveira.

“Quando parámos esta reciclagem nas células não-diferenciadas, observámos que elas se diferenciavam sozinhas. Conseguimos perceber que os processos de controlo de qualidade nestas células são mais aprimorados, e que estes processos de controlo de qualidade (pela autofagia e apoptose) têm um papel necessário no metabolismo e funcionamento das mesmas. No futuro pretendemos avaliar como outros processos de qualidade das células são afetados com a diferenciação e como podemos aplicar o conhecimento na medicina regenerativa. Outro caminho passa por fazer esta avaliação em células tumorais, uma vez que estas possuem grandes semelhanças às células estaminais que utilizámos no estudo”, conclui.

Os estudos futuros passarão por avaliar se outros processos de deteção e correção de erros no ADN também são perdidos no processo de diferenciação e como este conhecimento poderá ser aplicado para contribuir para o aumento dos reservatórios de células estaminais dos tecidos. Compreender como estes processos serão semelhantes em células tumorais, explicando a sua resistência a agentes quimioterapêuticos, é outro dos objetivos futuros dos investigadores.

Além de Sílvia Magalhães-Novais, Paulo Oliveira e Ignacio Vega-Naredo, a equipa de investigadores do CNC conta com Rute Loureiro, Kátia Mesquita e Inês Baldeiras.

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