15 Mai, 2019

Redução de danos e tratamento: as experiências no terreno

Gonçalo Bento (da Liga Portuguesa Contra a Sida), Ronny Bjornestad (fundador da Prolar), Eberhard Schatz (da Correlation Network) e Teresa Sousa (da “GIRUGaia”) explicaram, na HR 2019, os projetos de apoio que têm junto das comunidades.

Gonçalo Bento

Interligar Portugal

Gonçalo Bento, da Liga Portuguesa Contra a Sida, apresentou na 26.ª edição da Harm Reduction International Conference o projeto ‘Portugal: Interliga-te’, que tem como principal objetivo promover a deteção e o diagnóstico precoce das hepatites e infeções sexualmente transmissíveis através de testes de rastreio realizados em centros de saúde. “A infeção por HIV está a aumentar entre as pessoas com mais de 50 anos, pelo que consideramos importante ir ao encontro dessa faixa etária, aproveitando a proximidade oferecida pelos centros de saúde, porta de entrada dos cidadãos na rede de prestação de cuidados propiciada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para poderem realizar o teste completo às infeções sexualmente transmissíveis, o projeto dispõe de uma sala dentro do centro de saúde com profissionais da Liga Portuguesa Contra a Sida que, para além do teste, fazem aconselhamento e referenciação para os médicos de família ou hospitais, dependendo da infeção diagnosticada.

Gonçalo Bento, da Liga Portuguesa Contra a Sida

E apesar de haver “alguma burocracia envolvida”, Gonçalo Bento explica que o projeto iniciou-se em parceria com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), em colaboração com o ACES Loures-Odivelas, que cedeu o espaço dentro do Centro de Saúde de Santo António dos Cavaleiros. “Demorou um pouco, claro, mas tivemos desde o início o apoio da ARSLVT”, recorda.

O objetivo deste projeto que está a ser avaliado junto com o ISCTE – Gonçalo Bento defende que a academia é uma valorização para o projeto –. O objetivo é certificar os ganhos em saúde alcançados de modo a justificar a sua replicação em outros centros de saúde e áreas geográficas. Odivelas e Lisboa são dois destinos prioritários, referiu.

Gonçalo Bento aproveitou a oportunidade para dar a conhecer a atividade da Liga Portuguesa contra a Sida, que tem no terreno alguns projetos de grande valia na prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis. Relativamente à Hepatite C, o responsável associativo defendeu a importância de o diagnóstico dever ser cada vez mais precoce. “É igualmente essencial fazer o ‘follow-up’ das pessoas infetadas, sobretudo de forma mais eficaz, mas também reforçar a articulação entre a Liga Portuguesa Contra a Sida e outras organizações, até com os serviços clínicos, seja em centros de saúde, hospitais ou através do programa Fast-Track Cities”.

Recorde-se que o projeto Fast-Track Cities foi lançado no Dia Mundial da Sida em Paris, em 2014. Na altura, foi anunciado que os avanços científicos, o ativismo da sociedade civil e o compromisso político para alcançar objetivos comuns, criaram uma oportunidade real de acabar com a epidemia no mundo até 2030. Neste contexto e atendendo ao papel relevante na resposta à infeção pelo VIH, as cidades encontram-se agora, em posição privilegiada para liderar as ações, acelerando a resposta ao VIH e atingir, até 2020, as metas 90-90-90. Ou seja, 90% das pessoas que vivem com VIH, com diagnóstico; 90% das pessoas diagnosticadas com VIH a receber tratamento; e 90% das pessoas em tratamento com carga viral indetetável.

O objetivo é que, atendendo à proximidade das cidades à população, bem como a existência de infraestruturas, recursos materiais e humanos, as cidades adotem ações locais com impacto global, construindo desta forma um futuro mais equitativo, inclusivo, próspero e sustentável para todos – independentemente do sexo, idade, condição social e económica ou orientação sexual. “Temos de aproveitar esta oportunidade das Fast-Track Cities para juntar o Estado, os municípios e os serviços que prestam apoio, nomeadamente a pessoas com Hepatite C e ter uma ação mais coordenada”.

Ronny Bjornestad

O autocarro da Hepatite C

Ronny Bjornestad, fundador da Prolar, a Organização Não Governamental norueguesa que deu corpo e alma ao ‘Hepatitis Bus’, que como o nome indica é um autocarro dedicado a esta “causa”, foi outro dos participantes da conferência O ‘Community Hub’.

Ronny Bjornestad iniciou a sua intervenção explicando que os hospitais noruegueses não conseguem ter acesso às pessoas que consomem droga. Uma situação particularmente discriminatória já que desde fevereiro de 2018 que a terapia com antivirais de ação direta está disponível para todos os noruegueses infetados, independentemente do estado do fígado ou do genótipo. O número de doentes tratados, revelou Ronny Bjornestad, que já ultrapassou as três mil pessoas.

Ronny Bjornestad, fundador da Prolar (ONG que deu corpo ao Hepatitis Bus)

O nível de ambição é grande já que o Ministério da Saúde norueguês quer tratar 90% dos infetados até 2023. O papel de ações como o ‘Hepatitis Bus’ assumem neste contexto particular relevância já que, explicou Jason Grebely, ajudam à consciencialização da população para o problema. As viagens do ‘Hepatitis Bus’ decorrem de segunda a sexta-feira e já permitiram abordar mais de 310 pessoas em risco de contrair Hepatite C. Nestas ações foram distribuídos panfletos, e realizados testes diagnósticos. A bordo do autocarro viajam uma enfermeira e um médico. “Demos boas notícias a muita gente que vivia na incerteza quanto ao seu estado serológico. Às pessoas às quais os testes deram negativo foi dada informação de como prevenir a infeção”.

O objetivo desta campanha, que termina em dezembro deste ano, é atingir as 750 pessoas e fazer o teste e a triagem a 500 pessoas, para além de incutir nos pacientes a necessidade do diagnóstico e tratamento da doença.

Eberhard Schatz

Levar o tratamento à comunidade

Eberhard Schatz, um dos coordenadores da Correlation Network, uma Organização não Governamental com sede em Amsterdão, veio ao ‘Community Hub’, apresentar a defesa dos direitos dos utentes com Hepatite C e utilizadores de drogas administradas por via endovenosa. A principal mensagem que deixou no Porto, foi a de que face aos antivirais de ação direta e às novas metodologias de teste, é especialmente importante trazer esses testes e o tratamento aos centros de redução de risco, “já que por aí que passará o tratamento da Hepatite C”, defendeu.

Eberhard Schatz, um dos coordenadores da Correlation Network

Eberhard Schatz referiu ainda que, muito embora a Europa tenha uma política abrangente, para além de planos de ação e uma estratégia definida, subsistem dúvidas sobre se chegam, de facto ao terreno por forma a terem uma efetiva aplicação. “Muitos vezes, os recursos não são fornecidos, mesmo que os planos e as políticas existam”. E esse é, para Eberhard Schatz, um dos grandes desafios, para além de ter de ser garantida a gratuitidade dos testes e dos tratamentos para os efeitos secundários potenciados pelo vírus. “Só assim será possível uma intervenção efetiva”.

Teresa Sousa

Trazer o hospital para a rua

Teresa Sousa, coordenadora de uma equipa de redução de riscos da APDES, o “GIRUGaia”, apresentou no ‘Community Hub’ a finalidade deste projeto.

A especialista começou por explicar que o “GIRUGaia” baseia-se numa equipa que desde 2003 intervém nas ruas de Vila Nova de Gaia junto de pessoas que utilizam drogas. Desde 2006 que o “GIRUGaia” tem implementado um projeto de eliminação de Hepatite C, inserido no programa de terapêutica combinada. “Este programa permite aos utentes a toma assistida e diária de medicação para o HIV, tuberculose, Hepatite C, bem como intervenções de âmbito psicológico.

Para garantir a toma diária, as pessoas deslocam-se à carrinha que “alberga” o projeto e quando não o podem fazer avisam com antecedência para que os profissionais possam disponibilizar o tratamento e minimizar a falha nas tomas. “Acaba por ser muito raro as pessoas falharem”, disse Teresa Sousa.

O grande objetivo deste projeto, nas palavras da sua coordenadora, é “trazer o hospital para a rua”. “Neste momento trabalhamos de forma muito clara e transparente com o hospital, mas as pessoas precisam de ir lá para efetivar o início do processo de tratamento para a Hepatite C. O que queremos é que o hospital venha até à comunidade para podermos definitivamente eliminar a Hepatite C junto dos 25% da nossa população que não aderem de nenhuma forma às idas ao hospital”.

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