3 Abr, 2019

Coração artificial começou a “bater” há 50 anos. Doente sobreviveu um dia e meio

O primeiro coração artificial total foi implantado num homem com insuficiência cardíaca terminal, funcionou 64 horas até ao transplante cardíaco, mas o doente acabou por morrer de pneumonia um dia e meio depois

Foi em 04 de abril de 1969 que o cirurgião cardiotorácico norte-americano Denton Cooley colocou o primeiro coração artificial num doente – Haskell Karp, de 47 anos – como uma medida temporária até receber um coração de um dador.

A cirurgia realizada no St Luke’s Hospital, no Texas, ficou na história por ser o primeiro coração artificial total implantado em seres humanos, mas levou a um desentendimento entre Denton Coley e o seu mentor, o cirurgião Michael DeBakey, que tinha realizado dois anos antes a primeira aplicação bem-sucedida de um dispositivo de assistência ventricular.

DeBakey acusou Cooley de o ter traído, afirmando que o coração que colocou em Karp tinha sido retirado do seu laboratório sem a sua aprovação para se tornar o primeiro médico a fazer um implante de coração artificial.

Cooley defendeu o implante como um ato desesperado para salvar uma vida. O desentendimento durou 40 anos, só tendo terminado um ano antes de DeBakey morrer em 2008, aos 99 anos. Na altura, Cooley tinha 87 anos.

Embora o dispositivo projetado por Domingos Liotta e aplicado por Cooley tenha funcionado corretamente, uma nova implantação só ocorreu 12 anos depois, um coração artificial de outro modelo (Akutsu-III), que assegurou a sobrevivência do doente durante seis horas, até ser encontrado um dador compatível.

Em 1982, DeVries, da Universidade do Utah, colocou o primeiro implante de um coração artificial total e permanente (modelo Jarvik-7) num doente que sobreviveu 112 dias após a cirurgia.

Outros modelos se seguiram destes aparelhos que podem reduzir os sintomas e prolongar a vida de doentes com insuficiência cardíaca por anos, permitindo-lhes esperar por um transplante em casa ou até mesmo servir de solução permanente.

Apesar destes avanços, “os corações artificiais completos são menos de 1%” dos dispositivos implantados no mundo, disse à agência Lusa o diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, José Neves.

“Para a comunidade geral, o coração artificial é um tema que pegou e parece que tudo é coração artificial, mas na verdade não são os mesmos conceitos”, disse o cirurgião cardiotorácico.

O coração artificial é um dispositivo que substitui totalmente o coração, mas o que existe e tem sido desenvolvido ao longo dos anos são dispositivos de assistência ventricular que ajudam o coração a bater, não tirando o coração do doente, explicou.

“A evolução ao longo dos anos tem sido imensa e atualmente o dispositivo de assistência ventricular já pode estar inserido dentro do corpo do doente durante meses ou anos”, adiantou José Neves.

Esta evolução também foi assinalada à Lusa pelo diretor do serviço de cardiologia do Hospital Santa Marta, em Lisboa, José Fragata, que há dois anos implantou pela primeira vez em Portugal um destes dispositivos (HeartMate3) num doente de 64 anos que sofria de insuficiência cardíaca e não podia receber um coração transplantado devido aos danos que a medicação para a imunodepressão lhe provocaria nos rins.

Este doente, que “está bem e a sua qualidade de vida melhorou bastante”, juntou-se aos cerca de 1.200 que em todo o mundo receberam o HeartMate3, um dispositivo de apoio ao ventrículo esquerdo que permite aos doentes saírem do hospital e fazer uma vida o mais normal possível, à exceção de tomar um banho de imersão.

Sobre o que mudou em meio século, José Fragata disse que “mudou tudo”.

Mas o princípio é sempre o mesmo: “colocar tubos dentro do coração e assistir a circulação com uma bomba que fica implantada, na altura por fora e agora por dentro do corpo”, rematou o cirurgião pioneiro em várias intervenções na área cardiotorácica em Portugal.

LUSA/SO

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