TEV: continua sem comparticipação o tratamento ‘standard of care’ para doentes com cancro

O tromboembolismo venoso (TEV) "não só deixa marcas no doente como duplica os custos dos cuidados de saúde", alerta a Dra. Dialina Brilhante, em entrevista ao Saúde Online. A imunohemoterapeuta do IPO de Lisboa critica o elevado custo das Heparinas de Baixo Peso Molecular, que ainda não têm uma comparticipação total.

O que é o tromboembolismo venoso (TEV)?

O tromboembolismo venoso é a existência de um coágulo que impede a circulação do sangue nas veias (também chamado de trombo) e inclui a trombose venosa profunda e a embolia pulmonar. Um coágulo ou trombo, é a resposta normal do organismo para parar uma hemorragia após um ferimento, mas em algumas circunstâncias formam-se coágulos quando não era expectável e nessas condições o sangue deixa de fluir dentro dos vasos e pode provocar problemas que conduzem a situações potencialmente fatais.

A trombose venosa profunda regra geral designa um trombo nas veias profundas da perna. Este trombo pode evoluir para a embolia pulmonar, situação clínica que ocorre quando o trombo se divide em trombos mais pequenos que se alojam nas artérias do pulmão.

Pode acontecer em qualquer zona do corpo?

Pode mas, de um modo geral, o tromboembolismo venoso é mais frequentemente associado ao membro inferior ou  ao pulmão. Isso tem a ver com o trajeto do sangue nos vasos. O coração bombeia o sangue e  um dos primeiros órgãos a ser alvo destes trombos é o pulmão.

Quais são os fatores que podem potenciar o TEV?

A obesidade, a imobilização e a idade. Esta última tem tal importância que, a partir dos 50 anos, de dez em dez anos, o risco duplica. A existência de um cancro também pode potenciar o aparecimento de TEV. As doenças cardiovasculares e o tabagismo são também factores predisponentes. Há estudos realizados que apontam que, em 2050, poderemos ter o dobro da incidência destes fenómenos tromboembólicos.

A alimentação e o estilo de vida podem ter influência?

Sim e também a prática de regular de exercício físico numa ótica de hábitos de vida saudável. Uma adequada ingestão de líquidos, bem como a cessação tabágica, têm um papel de relevo.

Daí que seja tão importante uma atitude pró-ativa na prevenção destas situações. Por exemplo, um doente acamado é um candidato à profilaxia do tromboembolismo se não houver contraindicações. Quando falamos de trombose, há um aspeto que é preciso ter em conta: por um lado, há a ocorrência de trombo mas, muitas vezes, com o tratamento (os anticoagulantes) vamos favorecer o aparecimento de hemorragias. Portanto, temos de encontrar um equilíbrio de maneira a que o doente não continue a trombosar mas também não sangre. É por isto que há uma série de recomendações internacionais, de uma série de sociedades científicas, que apontam para a importância de avaliar o risco trombótico, no sentido de perceber se esse doente é um bom candidato para uma tromboprofilaxia. Se o risco hemorrágico for superior ao trombótico, não fazemos profilaxia.

Nunca é demais sublinhar que o tromboembolismo é uma causa de morte hospitalar prevenível.

Por exemplo, um doente com cancro que vá fazer uma cirurgia abdominal deve, segundo as recomendações internacionais, realizar uma tromboprofilaxia durante 3 ou 4 semanas.

Portanto, o TEV deixa sempre marcas?

Sim, não só deixa marca no doente como duplica ou triplica os custos dos cuidados de saúde. Daí que faça todo o sentido a identificação dos doentes de risco. Ainda em Outubro passado, saiu um artigo no The American Journal of Medicine que compara o período de 2015 a 2017 com o período entre 1999 a 2010 e conclui que havia uma redução muito importante da mortalidade associada à tromboprofilaxia. Isto levanta também outra questão, que é a importância do registo destas situações. Este estudo, feito nos EUA, só foi possível porque os hospitais trabalham muitos com seguros de saúde – e as seguradoras estão constantemente a avaliar os riscos. Os registos permitem-nos tirar este tipo de ilações. Em Portugal, os registos têm de ser melhorados.

Há cerca de um ano, numa entrevista, a Doutora criticava o custo elevado das Heparinas de Baixo Peso Molecular (HBPM). Como está essa situação?

Exatamente na mesma. Eu referi essa situação num contexto particular, ou seja, a existência de fenómenos tromboembólicos associados ao cancro. O doente oncológico é um doente em que a prevalência destes fenómenos é elevada. Nesta população, o tratamento standand of care são as HBPM, que, têm uma comparticipação de 65%. Havendo medicamentos comparticipados a 95% seria desejável que este valor de comparticipação também incluísse as HBPM.  O fator económico pesa muito, daí esta ser uma reivindicação do Grupo de Estudos de Cancro e Trombose, que propõe uma comparticipação mais elevada.

Estas HBPM são mais eficazes que os anticoagulantes orais?

Existem dois tipos de anticoagulantes orais: os anticoagulantes associados à vitamina K e, nos últimos dez anos, apareceram os anticoagulantes orais diretos. Depois, começaram a aparecer estudos que comparam as HBPM com os anticoagulantes orais diretos em doentes com cancro. Contudo, há ainda algumas áreas em que ainda não há um tempo de recuo suficiente, como na área das interações medicamentosas. Todos os dias aparecem novas informações mas ainda é uma área onde há mais dúvidas que certezas.

Tiago Caeiro

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