6 Mar, 2019

Estará aberta a porta para a cura definitiva do VIH?

O "paciente de Londres" é o segundo caso conhecido de remissão do vírus após um transplante de medula óssea. Contudo, subsistem alguns riscos e limitações associados a este procedimento.

Pela segunda vez um paciente com VIH terá ficado curado da doença, estando em remissão (ou seja, sem sinais do vírus na corrente sanguínea) há já um ano e meio. O caso foi divulgado pela revista científica Nature e mostra que o caso, até agora único, de Timothy Ray Brown (o norte-americano que se curou em 2007) pode não ser sido acidental.

Mas o que têm em comum estes dois pacientes? Ambos receberam um transplante de medula óssea de um dador com uma mutação de um gene. Trata-se de mutação rara (presente em apenas 1% dos europeus), que gera linfócitos, que, por sua vez, tornam o organismo resistente ao vírus, acabando por o eliminar. Descoberto o padrão, os cientistas poderão ter encontrado a chave para cura de uma doença que afeta dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo.

O trabalho feito agora junto de um paciente inglês foi coordenado pelo investigador Ravinda Gupta, da Universidade de Cambridge. Já tinham havido várias tentativas (todas sem sucesso) mas, apenas agora, 12 anos depois de Timothy Brown se ter livrado da infeção, se conseguiu repetir uma situação de remissão do vírus.

O já chamado “Paciente de Londres” – que, para já, se mantém no anonimato – soube que estava infetado com VHI-1 em 2003. Em 2012 começou a tomar medicação contra a infeção. Nesse mesmo ano, foi-lhe diagnosticado um Linfoma de Hodgkin, um tipo de cancro no sangue. Foi submetido a tratamentos de quimioterapia mas acabou não reagir a esses tratamentos. Nestas situações, resta uma opção : o transplante de medula. Descoberto um dador com a tal mutação rara, fez-se o transplante.

O transplante mudou o sistema imunitário do “paciente de Londres”, que voluntariamente deixou de tomar a medicação contra o VIH ao fim de 16 meses, para ver se o vírus reaparecia. Normalmente, depois de interrompida a medicação, o vírus volta em duas a três semanas. Neste caso, passados 18 meses da interrupção da medicação, o vírus não reapareceu.

“Este estudo demonstra que o ‘paciente Berlim’ não era uma anomalia”, escrevem os investigadores, que acreditam que a remissão total do vírus pode ser alcançada com fármacos de intensidade reduzida e com recurso a apenas um transplante de medula óssea. Timothy Brown precisou de dois, tendo ultrapassado um tratamento médico prévio mais agressivo (com sessões de radio e quimioterapia).

“Toda a gente acreditava que, depois do ‘paciente de Berlim’, o paciente precisava de morrer para curar o VIH. Agora talvez não seja preciso”, explica Ravinda Gupta. Contudo, e apesar do entusiasmo generalizado, os especialistas alertam que ainda é cedo para afirmar com absoluta certeza que o paciente de Londres terá ficado curado.

Por outro lado, a abordagem usada nestes dois doentes não é a mais adequada para tratar milhões de pessoas, uma vez que um transplante de medula é um procedimento delicado e dispendioso. Para já, é apenas a solução para um grupo reduzido de doentes. A maioria continuará a beneficiar dos antiretrovirais, que permitem uma boa qualidade de vida apesar dos efeitos secundários.

Há ainda outra fator limitador da cura através do tranplante de medula. A resistência ao vírus é baseada no gene CCR5, que regula o recetor a que se liga o vírus. COntudo, outras estirpes do vírus utilizam outros recetores, fazendo com que este tratamento só possa ser utilizado “em cerca de 50% das pessoas com VIH, senão menos”, avisa Timothy Henrich, especialista da Universidade da Califórnia, em declarações ao New York Times.

Tiago Caeiro

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