10 Out, 2018

A relação entre a obesidade e a vitamina D [entrevista ao endocrinologista José Silva Nunes]

O médico do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, explica, ao Saúde Online, que, na população obesa, ocorre um fenómeno chamado diluição volumétrica, que faz com que estas pessoas registem um défice de vitamina D (défice que é agravado pela falta de exposição solar). Por isso, o Dr. Silva Nunes lembra que as guidelines internacionais recomendam a suplementação desta população com vitamina D.

Saúde Online | Como olha para o panorama atual da obesidade em Portugal?

Dr. José Silva Nunes | Segundo os últimos dados disponíveis, verificou-se um aumento da prevalência da obesidade. Até há poucos anos atrás (até há cerca de uma década ou pouco mais do que isso), nós achávamos que a prevalência andaria à volta dos 14% – isto segundo o estudo que foi conduzido na altura pela Prof. Isabel do Carmo. Os dados mais recentes são do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IANAF), realizado em 2015/2016, e já apontavam para uma prevalência nacional de 22,3%, o que é um aumento de cerca de 50%.

 

Contudo, há dados recentes, do estudo COSI, que apontam para uma descida da obesidade nas crianças.

JSN | Relativamente às crianças, o que esse inquérito [IANAF] mostrou foi que a prevalência de obesidade em crianças abaixo dos 10 anos era inferior a 8% e nos adolescentes não chegava aos 9%. Não tenho presentes os dados concretos nos estudos prévios relativamente à obesidade mas, a verificar-se essa descida, deve-se à política que tem vindo a ser implementada no combate à obesidade infantil, nomeadamente em contexto escolar. Nomeadamente no Algarve essas medidas têm sido bastante ativas.

 

Falando agora um pouco da vitamina D. Que papel tem esta vitamina na regulação do nosso metabolismo?

JSN | A vitamina D tem uma ação mais clássica, conhecida há cem anos, em termos da ação no metabolismo fosfocálcico. No fundo, a vitamina D é necessária para que o cálcio que é ingerido, sob a forma de alimentos ou em suplementação, seja absorvido no intestino. Sem que haja vitamina D, o cálcio que entra no intestino não consegue ser absorvido. Mais recentemente, têm vindo a ser associados vários efeitos que não têm qualquer relação com o metabolismo fosfocálcico, entre os quais o que parece ter mais consistência é o efeito sobre o sistema imunológico. Está documentado que pessoas que têm défice de vitamina D têm um aumento do risco para várias patologias que têm por base mecanismos autoimunes.

 

Podemos estabelecer uma relação de causalidade entre a vitamina D e a obesidade?

JSN | Em relação à obesidade, há muito tempo que vem sendo documentado que as pessoas com obesidade têm níveis mais baixos de vitamina D. Sendo a vitamina D uma vitamina que é lipossolúvel (ou seja, é solúvel em gordura) e tendo as pessoas com obesidade muito tecido adiposo, achou-se que a vitamina D poderia ficar sequestrada na gordura dessas pessoas. E achou-se que essa era a explicação para que as pessoas com obesidade tivessem défice de vitamina D. Atualmente, acha-se que há uma outra explicação (mais consciente): ocorre o fenómeno de distribuição dilucional (os níveis totais de vitamina D são os mesmos para todas as pessoas mas, como as pessoas com vitamina D têm uma superfície corporal maior, essa vitamina D ficaria mais diluída) – trata-se de uma diluição volumétrica. Para evitar o estigma social, as pessoas obesas tentam não se expor muito, não saem muito à rua, não apanham sol (o sol está implicado na génese da vitamina D) e, por consequência, ocorre agravamento no défice de vitamina D.

 

O défice de vitamina D implica riscos específicos para a população obesa?

JSN | A vitamina D está hipoteticamente implicada em vários mecanismos homeostáticos do nosso organismo. Acredita-se que tenha algum papel relacionado com a diabetes que surge durante a gravidez (a diabetes gestacional), também na diabetes tipo 1 (diabetes insulinodependente). No caso da diabetes gestacional, existem estudos que indicam que a suplementação de vitamina D parece reduzir a incidência da doença em grávidas que previamente tenham tido um défice de vitamina D. Portanto, parece que a vitamina D atua no metabolismo dos hidratos de carbono. Mas não só aí. Também no metabolismo dos lípidos, há estudos que indicam que pode ter alguma ação – assim como em relação ao controlo da pressão arterial. Portanto, baixos níveis de vitamina D parece comportar um risco aumentado de aparecimento de diabetes e pré-diabetes, dislipidemia e hipertensão arterial.

 

As recomendações da Endocrine Society apontam para a importância de suplementar com vitamina D a população obesa. Concorda com esta ideia?

JSN | Eu faço uma consulta de obesidade e faço um doseamento, especificamente no grupo das grandes obesidades, dos níveis de vitamina D e constato que a grande maioria (para não dizer a quase totalidade) das pessoas deste grupo têm défice de vitamina D. Por isso, o que a Endocrine Society recomenda é que estas pessoas devem fazer suplementação com doses duas a três vezes superiores àqueles que estariam recomendados para as pessoas com peso normal. Portanto, os obesos pertencem a um dos grupos de risco de desenvolverem hipovitaminose D e, como tal, devem fazer suplementação.

 

Saúde Online

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