27 Ago, 2018

Equipa do Hospital de Cascais foi a primeira a tratar VIH nas prisões

No início de 2011 foi celebrado um protocolo entre o Hospital de Cascais e os Estabelecimentos Prisionais (EP) de Linhó e de Tires que previa a deslocação de uma equipa médica para tratar reclusos infetados pelo VIH. Sete anos depois, contabilizam-se 74 pacientes com a carga viral controlada graças a uma estratégia que beneficiou tanto pacientes como os profissionais de saúde envolvidos.

Até à celebração do protocolo entre o Hospital de Cascais e os Estabelecimentos Prisionais (EP) de Linhó e de Tires, os reclusos infetados pelo VIH eram atendidos no hospital, como o resto da população. Era necessário uma carrinha e guardas que os acompanhassem, sempre algemados, mesmo que se tratassem de delitos menores, uma situação que causava algum desconforto aos pacientes pela discriminação sentida nos corredores e nas salas de espera.  Mas este não era o único obstáculo. Deslocar reclusos ao hospital estava dependente de vários fatores, tais como o transporte, a disponibilidade dos guardas, a capacidade de coordenar com outros compromissos no âmbito da justiça e dos agendamentos das consultas que muitas vezes não eram cumpridos. “Enquanto equipa clínica tornava-se frustrante porque não tínhamos a continuidade do acompanhamento como gostaríamos e como conseguíamos ter com o resto da população”, explica Inês Vaz Pinto, coordenadora da Unidade de VIH do Hospital de Cascais e do projeto, em entrevista ao Saúde Online.

A partir daí “surgiu a ideia de invertermos as coisas: em vez de ser o recluso a ir ao hospital, o hospital é que iria ao estabelecimento prisional prestar este acompanhamento, onde nós sabíamos que eles iriam estar quando lá fôssemos”, recorda. Foi uma decisão discutida com os responsáveis dos EP de Linhó e de Tires que iniciou um processo de deslocação de uma equipa composta por um médico e um enfermeiro que, num dia agendado, fariam colheitas de sangue aos reclusos, seguindo-se uma consulta de acompanhamento, semanas depois, já com os resultados das análises. “Passou a ser um processo muito eficaz e satisfatório para todos porque veio permitir a continuidade do acompanhamento da população reclusa infetada com VIH que não estávamos a conseguir”, sublinha.

O objetivo da iniciativa, inicialmente pensada pelo antigo coordenador da Unidade, Dr. José Vera e, agora, liderada por Inês Vaz Pinto, foi “conseguir que o doente cumprisse a medicação e que tivesse carga viral indetetável”, algo que “ao fim de um ano”  foi possível.  Em 2012, dos 53 pacientes acompanhados, 97% tinha atingindo o controlo virológico, explica Inês Vaz Pinto.

Os reclusos já não estavam sujeitos aos constrangimentos sentidos nos hospitais e a única altura em que a prisão se deslocava ao meio clínico seria para levantar a medicação prescrita, tarefa encarregue a um guarda apenas. Ao fim de um ano, a adesão ao tratamento era de 100%,  motivada pela regularidade e pelo cumprimento das consultas marcadas, assim como pela relação de confiança estabelecida entre a equipa e o recluso.

Passados sete anos, mais precisamente a 16 de julho de 2018, foram assinados protocolos entre a Direção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP) e 28 instituições hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que introduziram a prática de deslocação de equipas médicas para os EP para tratar reclusos infetados pelo VIH e Hepatites B e C, à semelhança do que o Hospital de Cascais iniciou em 2011 com o VIH.

Inês Vaz Pinto vê o protocolo como algo benéfico e positivo, sem deixar de olhar para as dificuldades que o Hospital de Cascais identificou na altura em que avançou com o projeto. Contudo, alerta que, para ser bem-sucedida, a estratégia deve ir mais além do que vem estabelecido no papel: “É preciso dedicação, motivação; é preciso gostar, ter este sentimento de que é uma missão. Esta população não está a ser bem seguida e nós queremos que seja. Às vezes vou à prisão num dia em que não tenho horário no hospital, no único dia livre que tenho. Isto obriga a uma certa logística e organização. Não se faz no dia para a noite”. E mesmo com o sucesso contínuo desde o primeiro ano, a especialista refere que “ainda há falhas”, por tudo aquilo que o processo exige e pela dinâmica existente dentro de um EP, onde são várias as entidades e prioridades. Conseguir conciliar todas as partes envolvidas é um desafio.

Considerando os obstáculos inerentes ao meio prisional, Inês Vaz Pinto salienta a importância de ter um sistema eHealth no EP que consiste na disponibilização de um computador portátil com acesso remoto e seguro ao Processo Clínico Eletrónico do hospital que contém os registos e histórico clínico, terapêutico e de análises do recluso, garantindo assim uma forma mais fácil e prática de aceder, consultar e arquivar as suas informações.

Posto isto, e um mês depois da assinatura do protocolo que abrange outras unidades, o Hospital de Cascais “tem experiência para partilhar, para conversar e explicar estas dificuldades”, considera a responsável deste projeto “win-win”, em que os ganhos e o compromisso são provenientes dos dois lados. “Eles [reclusos] cumprem com a sua parte e nós com a nossa. Valorizamos os reclusos como pessoas, antes de serem reclusos. Esse foco para os utentes é a vertente mais importante”, conclui.

Saúde Online

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