Emigração de médicos está a subir para níveis do tempos da crise

De janeiro a junho saíram quase tantos médicos como em todo o ano passado. Jovens médicos que não conseguem vaga para tirar especialidade estão a voltar a empurrar a emigração para níveis semelhantes aos da crise e tendência vai agravar-se.

A emigração dos médicos está a aumentar este ano a um ritmo acelerado, depois de uma tendência de queda que se verifica desde 2016. A este ritmo, este fenómeno ameaça ganhar proporções semelhantes às que teve durante o período da crise económica. Só nos primeiros seis meses deste ano, o número de médicos a sair do país quase iguala a quantidade de clínicos que fizeram o mesmo em todo o ano passado, segundo dados avançados pelo Diário de Notícias. Contudo, se antes os médicos eram aliciados pelos melhores salários no estrangeiro, agora a motivação para sair do país é conseguir a especialização – uma vez que, em Portugal, cada vez mais jovens têm ficado sem lugar no internato.

Em março, ex-presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Edson Oliveira, dizia ao jornal Público que a saída de jovens médicos, devido à falta de vagas para a formação especializada em Portugal, poderia começar dentro de três anos. Ora, os dados da Ordem dos Médicos indicam que esse movimento migratório se antecipou: 63% dos 130 médicos que pediram junto dos serviços a declaração para poderem exercer no estrangeiro (até 30 de junho de 2018) não estavam inscritos em nenhuma especialidade e 60% tinham entre 25 e 34 anos. Uma tendência que já começou e que vai agravar-se nos próximos anos, já que desde 2015 até este ano, mais de dois mil médicos não conseguiram vaga no internato que lhes permitiria concluir a formação.

Em 2014, no último ano do programa de assistência financeira, 366 médicos pediram os papéis para poderem exercer no estrangeiro, em 2015 foram 475 e em 2016 terão mesmo ultrapassado os 600. O ano passado terão sido pouco mais de 150 mas a tendência de subida está a voltar este ano. “A vaga [de emigração] tem de facto tendência para ser semelhante à do período da troika, mas agora por razões diferentes, na altura partiam em busca de melhores condições de trabalho e melhores salários, agora procuram lugar para tirar especialidade”, diz Edson Oliveira do DN.

Com pouco médicos para assegurar muitas vezes o normal funcionamento dos serviços, o Ministério da Saúde vê-se obrigado a limitar o número de médicos séniores com responsabilidades formativas. A braços com uma deslocação cada vez mais notória de especialistas para o setor privado, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) não tem capacidade para garantir que todos os médicos que acabam o ano comum tenham um vaga para completarem a formação – aliás, tanto o ano passado como em 2018, o número de jovens médicos a ficarem fora da especialidade ultrapassou os 700.

O Bastonário dos Médicos calcula que já sejam 15 mil os médicos que só exercem no setor privado. “Na emigração houve um decréscimo no ano passado, mas agora está a aumentar outra vez, e os dados da emigração deste ano provam isso mesmo, enquanto o de profissionais que saem para o privado tem vindo sempre a aumentar”, avança Miguel Guimarães. Com o número actual de vagas que existem nas faculdade de Medicina “vamos ter cada vez mais pessoas sem acesso à especialidade que vão procurar fazê-la lá fora”, alerta Edson Oliveira.

 

Emigração sem retorno

 

Associada à emigração está outra realidade: a fixação permanente dos jovens médicos nos países de destino. Quem deixa Portugal numa fase da vida em que muitas vezes ainda não tem família formada dificilmente regressa, considera Edson Oliveira. “Estamos a falar de jovens que deixarão o país com 27 anos. Na maior parte dos países o internato dura cinco anos. Esta é uma emigração sem retorno porque acabarão por fazer a sua vida lá”, diz. Para além de poderem fazer a especialidade, os salários são também mais altos. Dados de 2016 indicavam que, no que toca a vencimento mensal em regime de 35 horas, Portugal ocupa apenas o 14º lugar entre 23 países europeus.

O Presidente do Conselho Nacional de Pós-Graduação da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, acusa o Ministério da Saúde de não se preocupar com o futuro destes jovens. “O Ministério da Saúde não está preocupado com eles e não está a preparar nada para os enquadrar em termos formativos e de prestação de cuidados de saúde. É uma situação propícia à fuga destes médicos para o estrangeiro. A Ordem já alertou o ministério que tem de fazer alguma coisa”, afirma.

Há muito que a Ordem, os dirigentes do setor e os próprios estudantes pedem maior rapidez na abertura dos concursos e uma redução do numerus clausus da Faculdades de Medicina, de modo a travar o aumento de uma geração de médicos indiferenciados.

Saúde Online

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