Entrevista: Vacinação e rastreios são essenciais à prevenção do cancro do colo do útero

Na semana em que se assinala, a nível europeu o Cancro do Colo do Útero, fomos falar com especialistas sobre a doença e os recursos disponíveis para a prevenir.

Semana Europeia do Cancro do Colo do Útero
22 a 28 de janeiro de 2018

Daniel Pereira da Silva, Presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e de Ginecologia

Daniel Pereira da Silva, Presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e de Ginecologia (FSPOG), começa por explicar que o Papilomavírus Humano, não obstante surgir mais frequentemente associado ao cancro do colo do útero em mulheres jovens, na verdade, não escolhe idades, nem género. Qualquer pessoa, de ambos os géneros que tenha atualmente ou já tenha tido relações, pode ter contraído a infeção por HPV.

Segundo o especialista, na maioria dos casos, a infeção pelo vírus não apresenta qualquer sintoma e, mesmo quando a doença já está instalada, pode permanecer assintomática. Daí, defende, a urgência de agilizar a acessibilidade aos programas de rastreio, que à exceção de Lisboa – que em breve também irá implementar um programa -, já se encontram implementados em todo o País.

Qual a relação entre o Papilomavírus humano e o cancro do colo do útero?

“A infeção por Papilomavírus humano (HPV) do grupo de alto risco é a causa necessária para provocar o cancro do colo do útero. Praticamente 100% dos casos têm o HPV envolvido.

Existem dados que informem sobre a realidade portuguesa?

Felizmente a realidade portuguesa no que respeita ao cancro do colo do útero tem vindo a evoluir favoravelmente, quer no sentido da mortalidade, quer na que toca à incidência. Ao contrário do que acontecia há 20 anos atrás, em que tínhamos taxas de incidência elevadíssimas, de lá para cá esses números têm vindo a diminuir significativamente e neste momento encontramo-nos dentro da média europeia. Não estamos entre os países de mais baixa incidência, mas também não pertencemos ao grupo dos com incidência mais elevada. A nossa taxa de incidência deve situar-se atualmente nos 12, 13 casos por 100 mil mulheres, com uma taxa de mortalidade padronizada de 2,6 por 100 mil.

A que se deve essa melhoria?

A diversas razões. Desde logo, à melhoria da acessibilidade aos programas de rastreio. Infelizmente só a região de Lisboa e Vale do Tejo não tem, até ao momento, um programa de rastreio organizado, ainda que saibamos que esteja em vias de ser implementado. Todo o resto do país já os têm. A tudo isto acresce que a consciencialização da população para o problema aumentou, particularmente entre as mulheres, que hoje aderem mais facilmente aos rastreios propostos pelos seus médicos.

Ainda que normalmente associado à mulher, a infeção pelo HPV não escolhe género. É assim?

Os homens são igualmente infetados. Não há diferenças, a esse nível, entre géneros. Como também não existe diferença significativa na suscetibilidade entre homens e mulheres. Dito isto, importa sublinhar que a carga da doença é muito maior entre as mulheres do que nos homens, atendendo aos órgãos e à constituição anatómica dos órgãos infetados. Há todavia, maior suscetibilidade relativamente ao cancro do colo do útero, que naturalmente só afeta mulheres, particularmente em infeções com tipos de HPV de alto risco, como o 16 e o 18, responsáveis por cerca de 70% das lesões mais graves; os carcinomas. Já na região anal, a taxa de incidência é idêntica em ambos os géneros e tem aumentado significativamente na população que pratica sexo anal, quer se trate de relações homo ou heterossexuais.

Referiu o HPV tipo 16 e 18. Há muitos mais tipos, com diferentes graus de risco?

Tipos de HPV de alto risco, que provocam doença oncológica, são cerca de 30. Destes, há 7 particularmente perigosos: os 16, 18, 31,33, 45, 52 e 58, que respondem por cerca de 90% dos casos de cancro, nomeadamente do cancro do colo do útero. Daí que a nova vacina cubra já estes tipos oncogénicos e ainda dois de baixo risco, o 6 e o 11, que provocam patologia benigna, como os condilomas, por exemplo.

A maioria da população está infetada ou já contactou com o vírus em algum momento da sua vida. É assim?

Exatamente! Na população com menos de 50 anos, cerca de 80% teve infeção em algum momento da vida. A incidência cumulativa é essa.

Já a percentagem dos que desenvolvem doença é muito menor…

Em um pouco menos de 10% dos infetados, a infeção não desaparece, e 5% vêm a desenvolver doença. Ou seja, repito, o HPV é condição necessária, mas não suficiente. Para que ocorra doença, a infeção tem que ser persistente conseguindo furtar-se à ação das defesas do hospedeiro.

Nos casos em que não é eliminado, a infeção pode progredir e não é possível prever quem irá desenvolver a doença e como. Na maioria dos casos, a evolução é favorável. Inclusivamente, a infeção desaparece sem ter causado qualquer tipo de sintomatologia. A pessoa infetada nem sequer dá conta de que teve uma infeção.

É possível identificar os casos que vão evoluir para doença, das situações benignas ou de remissão total?

Só com recurso a rastreios de prevenção. E aqui importa dizer que independentemente do género, todos devem ter acesso à prevenção primária, ou seja, à vacinação. Na maioria dos casos, a infeção pelo HPV desaparece espontaneamente ao fim de 1 a 2 anos.

A vacina é eficaz?

É excecional pela sua proteção, que é muitíssimo alta, próxima dos 100% para os vírus a que é dirigida. Isto desde que o indivíduo, homem ou mulher, sejam vacinados antes do início da atividade sexual. Se for vacinado ao longo da vida, a vacina é igualmente eficaz para os tipos de vírus que a pessoa venha a contactar no futuro ou em reativações.

Quem é que se deve vacinar?

Todos os homens e mulheres. Nas mulheres, existe evidência científica de que o espetro etário é muito mais largo do que o dos homens. A vacinação é eficaz até aos 45 anos de idade, ainda que não exista limite de idade para a mulher ser vacinada. Já em relação ao homem, as evidências atuais, recomendam que sejam vacinados até aos 25 anos.

A vacina é suficiente como meio de prevenção?

Sem dúvida. Se administrada antes do início da atividade sexual é suficiente. Agora, é preciso ter em conta que não existe hoje nenhuma vacina que cubra todos os tipos de HPV – e são cerca e 30 os que têm importância sob o ponto de vista oncológico. As vacinas disponíveis previnem, no que toca ao cancro do útero, os 7 tipos de HPV de maior risco. Daí a importância das medidas de prevenção secundária de entre as quais sobressai, pela sua importância, o rastreio do cancro do colo do útero e de outras localizações em que o vírus atua, como o ânus, o trato genital, a cavidade oral e nos homens, o pénis.

Verificam-se assimetrias regionais no que respeita à prevenção?

As divergências que existem não têm que ver com formação ou sensibilidade dos profissionais de saúde. Na verdade eles estão muito sensibilizados e alertas para o problema. Tanto assim é que relativamente ao Plano Nacional e Vacinação, no que toca à profilaxia do HPV, temos a taxa de cobertura mais elevada da Europa e uma das mais elevadas a nível mundial. 90% da mulheres com menos de 25 anos de idade estão vacinadas.

A vacina é gratuita?

No âmbito do Plano Nacional de Vacinação, é. Nas faixas etárias não abrangidas pelo plano, não.

Qual a idade abrangida pelo PNV?

Nas raparigas, entre os 10 e os 13 anos de idade.

O que poderia melhorar?

Uma organização dotada dos recursos humanos necessários para garantir a acessibilidade aos rastreios. Por exemplo, consultas pós-laborais. Muitas vezes, as taxas de participação das mulheres nos rastreios são baixas por não conseguirem compatibilizar o seu horário laboral com o dos rastreios. Defendemos, pois, que se organizem consultas pós laborais de modo a abranger todas as mulheres. Se houver vontade por parte das administrações de saúde, estamos certos de que isso será possível.

 

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