Farmacêuticos e médicos devem ser premiados quando prescrevem genéricos

Adrian van den Hoven, Diretor-Geral da Medicines for Europe

O Diretor-Geral da Associação que representa a indústria europeia de medicamentos genéricos e biossimilares diz que a quota de mercado destes produtos é em Portugal ainda muito baixa e que o Governo deveria fomentar a concorrência implementando normas de orientação clínica para evitar desvios de prescrição médica não justificados para moléculas (mais caras) ainda sob patente. Em entrevista ao SaúdeOnline, o responsável europeu do setor defende ainda a criação de incentivos que descriminem positivamente a remuneração em função do preço dos medicamentos dispensados na farmácia e o apoio ao sucesso da concorrência face produtos de marca com forte implantação no mercado, para os quais ainda não exista a concorrência de genéricos, limitando a redução do preço de introdução de genéricos face ao originador a um máximo de 30% (em vez dos atuais 50 %).

Os genéricos já detêm uma quota significativa do Mercado europeu de medicamentos. Ainda existe potencial de crescimento? Qual seria, para si, o rácio ideal?

A indústria europeia de genéricos é responsável por mais de 60% dos medicamentos consumidos na Europa. Esperamos que, até 2020, estes medicamentos representem mais de 75% do mercado de medicamentos europeu, o que mostra, claramente, que ainda existe um grande potencial para melhorar o acesso aos medicamentos. Idealmente, os governos deveriam esforçar-se para otimizar a eficiência dos seus sistemas de saúde, o que implicaria passarem a utilizar medicamentos genéricos imediatamente após o termo das patentes ou dos acordos de exclusividade associados aos medicamentos originadores.

Em que países existe maior potencial de crescimento?

Há ainda muitos países europeus com quotas muito baixas de medicamentos genéricos, especialmente os países latinos. Por exemplo, no Mercado português de medicamentos, os genéricos representam apenas de 47%, um valor muito baixo quando comparado com o registado na Alemanha ou na Dinamarca, que é de 80%. Existe, claramente, um potencial de crescimento do Mercado dos genéricos. Potencial este que permitiria um maior acesso dos doentes aos medicamentos e contribuiria para a sustentabilidade do sistema de saúde português. E acreditamos que é possível fazer mais para incentivar os médicos portugueses a prescreverem mais medicamentos genéricos.

Em Portugal, como referiu, os medicamentos genéricos representam apenas 47,4% do Mercado global de medicamentos. Um valor muito baixo quando comparado com o que se regista em muitos outros países europeus. Que fatores poderão justificar este fraco desempenho?

A média europeia de quota de mercado dos genéricos é de 62%, com alguns países a atingirem quotas superiores a 80% (eg Alemanha e Polónia). Portugal iniciou tarde a implementação de políticas favoráveis aos genéricos, ainda que tenha conseguido alcançar excelentes resultados nos últimos anos. De facto, nos últimos anos, o governo português implementou várias medidas para promover a prescrição, dispensa e uso de medicamentos genéricos, mas há ainda muito que pode ser feito para melhorar o desempenho deste mercado, como implementar normas de orientação clínicas para evitar desvios de prescrição não justificados para moléculas (mais caras) ainda sob patente; incentivar o farmacêutico a dispensar medicamentos genéricos, descriminando positivamente a remuneração em função do preço dos medicamentos dispensados na farmácia e fomentar o sucesso da concorrência face produtos de marca com forte implantação no mercado, para os quais ainda não exista a concorrência de genéricos, limitando a redução do preço de introdução de genéricos face ao originador a um máximo de 30% (em vez dos atuais 50 %).

Pequeno mercado, com um sistema de regulação muito restritivo, com limitações difíceis de superar, qual avaliação que faz do mercado genérico português?

O mercado português de genéricos é um dos mais difíceis, com uma quota de mercado que é uma das mais baixas a nível europeu e com atrasos na entrada de novos produtos devido a procedimentos de arbitragem forçados por disputas de patentes, em processos judiciais muito dispendiosos. Barreiras agravadas pela taxa extraordinária de 13.4% sobre os valores de tabela praticados nos hospitais, que as empresas têm de suportar. A conjugação destes fatores torna extremamente difícil a sobrevivência dos fabricantes de medicamentos genéricos no mercado português.

Resultado destas contingências, verifica-se já que para algumas moléculas de uso hospitalar, o número de fornecedores diminuiu drasticamente, devido à taxa extraordinária, levando a que subsistam apenas 1 ou 2 fornecedores no mercado, mesmo para alguns antibióticos, aumentando o risco de ruturas de stocks, o que, em última instância, coloca em risco a saúde da população.

De salientar, ainda, que Portugal é um dos únicos países da EU onde vigora um sistema de arbitragem de conflitos de patentes. Um processo caro, moroso e que leva a atrasos na entrada de novos genéricos. Saliente-se que as custas dos processos judiciais de conflitos de patente ultrapassam, muitas vezes, os valores previstos de venda dos medicamentos que se pretendem introduzir, inviabilizando assim a sua entrada no mercado.

As dificuldades envolvidas na aprovação e no reembolso de novos produtos pelas autoridades portuguesas desmotivam as empresas que queiram entrar no Mercado?

Como se referiu atrás, Portugal é um dos últimos países onde ainda se aplica um sistema de arbitragem para resolução de conflitos de patentes. É claro que muito embora concordamos com a defesa dos direitos de propriedade intelectual, também dizemos que a concorrência deve começar no dia seguinte ao fim do período de proteção de patente que determina o monopólio do mercado pelo medicamento originador. Ora, o que acontece é que o sistema de arbitragem de conflitos relacionadas com patentes que vigora em Portugal conduz a disputas num vasto leque de frágeis ou mesmo inválidos direitos de patente que num contexto normal nunca seriam disputados em tribunal. A este problema acrescem as incrivelmente elevadas taxas judiciais, que constituem uma verdadeira barreira à nossa indústria.

O sistema que vigora em Portugal conduz a atrasos injustificados a acrescenta despesa ao sistema nacional de saúde e aos doentes. É um importante obstáculo ao desenvolvimento do mercado de genéricos, que o Governo Português deveria remover o mais rapidamente possível.

O atraso nos pagamentos por parte do estado é um dos problemas mais frequentemente referidos pelas empresas farmacêuticas que operam em Portugal. A dívida em atraso (com mais de 90 dias) tem vindo a crescer a uma média de 30 milhões de euros/mês desde janeiro de 2015. Considera esta é uma situação sustentável para as empresas?

Isso mostra que o sistema de saúde português está sob permanente stress financeiro. Que se anda permanentemente “no fio da sustentabilidade”. Reconhecemos que se trata de um desafio e que podemos ajudar a tornar o sistema mais sustentável. Em Portugal a nossa associação local (APOGEN) propôs ao Governo um acordo para estimular a concorrência no mercado dos genéricos e biossimilares. Como se referiu, em Portugal, as quotas de mercado dos genéricos e dos medicamentos biossimilares são ainda muito baixas. Ao estimular a concorrência, fomentando a prescrição de genéricos ou de biossimilares, o governo poderá tratar mais doentes, ao mesmo tempo que consegue realocar recursos para dar resposta a necessidades urgentes do sistema, como o investimento em infraestruturas hospitalares, a contratação de mais profissionais de saúde ou ainda propiciar o acesso à inovação. Portugal necessita de um plano para estimular o mercado de genéricos e de biossimilares em benefício dos pacientes, e nós estamos preparados para ajudar o Governo a alcançar esse objetivo. Como também estamos preparados e gostaríamos de apoiar o governo noutros desafios importantes, os que se colocam na gestão de doenças crónicas, uma área que os governos europeus têm enormes dificuldades em financiar.

Podemos fornecer inovação a preços razoáveis, com melhores resultados para os pacientes e contribuindo para uma maior eficiência dos sistemas de saúde. O nosso setor está a investir na investigação que permita conseguir um aumento rápido do número de moléculas disponíveis para melhoria dos resultados em saúde de condições como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), doença mental, cancro e ainda no combate à resistência antimicrobiana. Medicamentos com valor acrescentado podem propiciar inovação a preços sustentáveis que melhorem a saúde da população e contribuem para uma maior eficiência dos sistemas de saúde.

Que oportunidades assinala no mercado português?

Olhando para a experiência de outros mercados europeus, é possível constatar que ainda existem muitas oportunidades no mercado de medicamentos genéricos em Portugal. O mesmo relativamente ao mercado de medicamentos inovadores, protegidos por patente. Desde logo, é possível obter ganhos de eficiência, como os que referi atrás, e que passam pela introdução de guidelines favoráveis aos genéricos e a remuneração dos farmacêuticos pela dispensa destes medicamentos em detrimento de outros, mais caros.

Biossimilares: qual a sua expectativa relativamente à evolução deste “nicho” do mercado?

Os medicamentos biossimilares assumem cada vez maior importância para o acesso dos doentes a terapias biológicas. Trata-se de um setor que, num passado recente, estava limitado a áreas terapêuticas que cobriam apenas cerca de 8% do mercado de medicamentos biológicos. Acreditamos que a médio prazo, os novos medicamentos biossimilares irão cobrir cerca de 60% do mercado biológico total, incluindo terapias importantes como as indicadas no tratamento de doenças autoimunes como a artrite reumatoide e doença intestinal (Infliximab, etanercept), oncologia (rituximab, trastuzumab) e antidiabéticos (insulina glargina).

Neste momento, a Europa acumula 97% das vendas globais de medicamentos biossimilares e mais de 10 anos de experiência de uso clínico seguro destes medicamentos.

Podemos constatar que cada vez mais empresas farmacêuticas estão a entrar neste mercado e esperamos que este grupo de medicamentos se tornem parte integrante dos sistemas de saúde. Portugal tem revelado grande potencial de crescimento nesta área. Desde logo porque é um dos países europeus com menor consumo de medicamentos biológicos para tratamento de doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide. Ora, os medicamentos biossimilares indicados no tratamento da artrite reumatóide podem, per si, contribuir para um aumento massivo do acesso a esses tratamentos. Para que isso aconteça, é necessário agir. No sentido de melhorar a informação dirigida aos médicos e aos doentes – por exemplo, difundindo documentos de orientação da Comissão Europeia e da Agência Europeia de Medicamentos para médicos e pacientes.

A capacidade de avaliação da Agência Europeia do Medicamento (EMA) consegue suprir as necessidades do mercado?

No seu relatório de 2016, a EMA informa que “o número de pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) para medicamentos biossimilares tem vindo a aumentar consistentemente ano após ano, tendo recebido 14 pedidos em 2016, o dobro dos registados em 2011 e o maior número de pedidos recebidas num só ano na história da instituição “.

No mesmo documento, a EMA, atualmente sedeada em Londres, destaca também que este ano já aprovou seis novos medicamentos biossimilares entre os quais os primeiros medicamentos biossimilares autorizados para três novos produtos de referência. Em processo de avaliação a agência europeia tem neste momento 15 medicamentos biossimilares, informa ainda o relatório.

De salientar que o Centro de Formação de Redes Regulamentares da UE assumiu como prioritária a capacidade e o desenvolvimento de capacidades na área da avaliação de medicamentos biossimilares dentro da União e mesmo fora dela. Neste sentido, em novembro de 2016, foi organizado uma ação de treino de assessores em medicamentos biossimilares em que participaram cerca de 200 especialistas, e ainda 6 delegações de países exteriores à UE.

Consciente do impacto que o Brexit poderá ter no funcionamento da EMA e dos Procedimentos Centralizados e considerando a implementação futura do procedimento de pré-qualificação da OMS para medicamentos biossimilares, pensamos que é necessário e urgente a implementação de um plano estratégico que garanta a adequada capacidade de avaliação da autoridade reguladora europeia.

Quais os principais desafios que os produtos biossimiliares terão de enfrentar?

Os medicamentos biossimilares ainda estão a dar os seus primeiros passos no mercado português. E apesar da experiência positiva e da segurança comprovada na utilização dos mesmos, ainda persistem muitas vozes céticas quanto à utilização dos mesmos. A nível europeu, quer a autoridade reguladora, quer a comunidade científica, têm defendido o uso de medicamentos biossimilares (eg. ECCO, ESMO, EULAR). Mas não basta. É preciso que esta posição seja também adotada a nível nacional pelos diferentes Estados-membros. O que nem sempre acontece, como é o caso de Portugal, onde o Governo deveria intervir de forma proactiva implementando política de estímulo à utilização de medicamentos biossimilares.

O Ministro da Saúde, por exemplo, deveria marcar posição contra as declarações extemporâneas e desatualizadas da Comissão Nacional para a Normalização da Hormona do Crescimento sobre a Hormona do Crescimento Humano, uma vez que existe evidência da segurança e eficácia destes produtos ao longo dos últimos 25 anos; existe grande experiência na utilização da hormona do crescimento (incluindo a mudança para a hormona do crescimento biossimilar) em toda a Europa e a experiência tem-se revelado positiva, quer em termos de maior acesso a estes medicamentos, quer na ausência de eventos adversos inesperados.

O INFARMED, por seu lado, deveria reforçar as guidelines no sentido de uma maior utilização de medicamentos biossimilares, particularmente do infliximab, indicado no tratamento da artrite reumatoide, com pelo menos a mesma ênfase que é dada nas guidelines emitidas pelo The National Institute for Health and Care Excellence britânico. Finalmente, o Ministério da Saúde deveria considerar a adoção de incentivos a médicos e hospitais pelo uso de biossimilares, por exemplo, reinvestindo parte das poupanças conseguidas com a utilização de biossimilares nos departamentos médicos que os utilizam.

Portugal é candidato a receber a Agência Europeia de Medicamentos. Considera que o país reúne as condições necessárias para hospedar a instituição?

Há muitos países que neste momento se perfilam como bons candidatos para receberem a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA, na sigla inglesa). Portugal – e Lisboa – é certamente um deles. Na perspetiva da Indústria Farmacêutica, é essencial que a EMA fique sedeada numa cidade acessível aos “players” do mercado. É também importante que a autoridade nacional do país que irá hospedar a futura sede da EMA (em Portugal, o INFARMED) realize os investimentos necessários à contratação de pessoal altamente qualificado e se comprometa a desempenhar um papel de relevo nos processos científicos da agência. Preocupa-nos particularmente que a EMA e as agências do medicamento nacionais disponham de pessoal altamente qualificado de modo a garantir o importante trabalho científico que atualmente desempenham para prestar o melhor serviço aos doentes europeus.

Dito isto… Pessoalmente gosto muito de Portugal e da bela cidade de Lisboa (Tal como muitos outras pessoas em toda a Europa). Não é por acaso que este ano realizámos a nossa conferência anual em Lisboa. Mas é claro que não sei se as considerações pessoais desempenharão qualquer papel na escolha, pela Comissão Europeia, da relocalização da sede da EMA. Mas espero que sim, em nome dos apoiantes da candidatura de Lisboa.

 

 

Quem é Adrian van den Hoven?

Adrian van den Hoven é diretor geral da Medicines for Europe, a associação europeia que representa a indústria de medicamentos genéricos, biossimilares e de valor acrescentado desde setembro de 2013.

Estimular a concorrência nos mercados de medicamentos não patenteados, promover o acesso ao mercado de medicamentos genéricos, biossimilares e de valor agregado, apoiar medidas políticas para preços sustentáveis, promover padrões regulatórios elevados, assegurando simultaneamente que os custos associados possam ser integrado na dinâmica do mercado e desenvolver uma estratégia industrial coerente da UE para apoiar a viabilidade a longo prazo das indústrias de medicamentos genéricos, biossimilares e de valor acrescentado têm sido as prioridades do seu mandato à frente da Instituição.

Antes de ingressar na Medicines for Europe,  Adrian van den Hoven foi subdiretor geral da BUSINESSEUROPE, um grupo de pressão focado na defesa do crescimento e da competitividade a nível europeu, onde foi responsável pelo departamento de Relações Internacionais, tendo participado em negociações comerciais e relações bilaterais. Foi ainda responsável pelo departamento da Indústria, abrangendo a política industrial, energética, ambiental e de pesquisa. Anteriormente, foi investigador de Relações Internacionais e professor adjunto no Instituto Universitário Europeu, em Florença, na Universidade de Nice, em França e na de Windsor (Canadá). Em 2002, doutorou-se em Ciências Políticas pela Universidade de Nice em França.

 

MMM

 

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