Daniel Pereira da Silva: Ser conservador “no bom sentido da palavra”

Apesar de a histerectomia ser considerada o tratamento de eleição, o Consenso Nacional sobre Miomas Uterinos 2017, apresentado no início de junho no 21º Congresso de Obstetrícia e Ginecologia, vem abrir novos horizontes no que toca à conservação do útero

A necessidade de marcar passo com as evidências científicas mais recentes levou à atualização das normas clínicas no campo dos miomas uterinos, responsáveis pelo elevado número de histerectomias que ainda se realizam em Portugal. Apesar de a histerectomia ser considerada o tratamento de eleição, o Consenso Nacional sobre Miomas Uterinos 2017, apresentado no início de junho no 21º Congresso de Obstetrícia e Ginecologia, vem abrir novos horizontes no que toca à conservação do útero.

Desde 2013, data de elaboração do primeiro consenso, “houve mudanças substanciais. As mais importantes foram, sem dúvida, aquelas que têm a ver com o tratamento médico, a sua eficácia e segurança”, começa por afirmar Daniel Pereira da Silva, Presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia (FSPOG) e coordenador do capítulo referente ao Tratamento Médico do novo consenso, em conversa com o SaúdeOnline.

Os miomas uterinos são nódulos benignos que crescem no tecido do útero e têm uma estrutura muscular semelhante à do miométrio. Apesar de benignos, “isso não quer dizer que nunca possam tornar-se nódulos malignos”, adianta o especialista, salientado que é uma situação “absolutamente excepcional”.

Por força das alterações que o útero sofre ao longo da vida da mulher, é na idade reprodutiva que se torna mais comum o aparecimento dos miomas.  Daniel Pereira da Silva estima que cerca de 50 a 80% das mulheres por volta dos 50 anos tem miomas. Pequenos, milimétricos até, revela que são muito frequentes e inaparentes. “Estas mulheres muitas vezes nem sabem que têm um mioma porque não têm qualquer sintoma considerado anormal”. Os dois principais sintomas são as perdas de sangue e as dores, que muitas vezes são associados a outras causas. “O mioma pode ir aumentando e a mulher vai-se adaptando ao aumento do fluxo menstrual de abundância crescente até um dia desmaiar e ir parar ao serviço de urgência com uma anemia grave”.

Existem ainda alguns fatores de risco. Os miomas uterinos são mais frequentes nas mulheres com excesso de peso, nas mulheres que não têm filhos quando comparadas com aquelas que têm e nas mulheres de raça negra relativamente às caucasianas. “Os miomas podem ser até quatro vezes mais frequentes nas mulheres de raça negra”, revela o especialista, acrescentando que tudo acontece por predisposição genética. “Infelizmente, nós, médicos, não sabemos qual é a causa primeira disto tudo. Ainda há muita investigação no sentido de determinar se é possível evitar que eles apareçam quer nas famílias com maior incidência, quer nas mulheres de raça negra…”.

Atualmente, não existe tratamento para evitar o aparecimento de miomas. As mulheres que fazem parte do grupo descrito acima devem estar sujeitas a um controlo regular para que, caso apareçam miomas, estes sejam detetados no início e possa assim haver uma estratégia de tratamento mais eficaz com vista à preservação do útero. “É nessa orientação que estamos a trabalhar neste momento”, afirma o médico obstetra.

Responsável pelo capítulo referente ao tratamento médico dos miomas, Daniel Pereira da Silva afirma que “houve uma evolução em todo o mundo, e, felizmente, Portugal não foge à regra, no sentido de procurar cada vez mais tratamentos que visam a conservação do útero”.

Apesar de a única cirurgia curativa ser a histerectomia, o tratamento médico aliado a cirurgias minimamente invasivas ou às chamadas miomectomias, onde se retiram apenas os nódulos, tem tido um impacto muito positivo na qualidade de vida das pacientes. “O tratamento médico é um auxiliar precioso para o controlo dos sintomas”, diz com entusiasmo.

A mais recente novidade é o acetato de uripristal que, além de fazer parar as perdas de sangue em mais de 90% dos casos, tem eficácia nos próprios miomas, reduzindo significativamente o seu volume quando utilizado durante o tempo adequado e facilitando a cirurgia.

“Pode deixar de ser necessário recorrer à histerectomia, retirando apenas o mioma, ou pode mesmo tornar a cirurgia desnecessária”, adianta, dando o exemplo da fase da menopausa, onde o mioma deixa de ser um problema uma vez que os estímulos hormonais dos ovários param.

Ser conservador “no bom sentido da palavra” são as palavras de Daniel Pereira da Silva para descrever o novo consenso. Permitir, através do tratamento médico, que a cirurgia seja minimamente invasiva, mais conservadora e mais segura é o objetivo primordial. A novidade destas novas “guidelines” é o efeito da utilização do tratamento médico a longo prazo.

“Hoje em dia, o tratamento médico de longo prazo permite lidar com casos especiais de uma forma segura sem ter de recorrer precocemente à cirurgia”, tornando a retirada do útero uma necessidade última.

 

SO/SF

 

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