Memória humana é mais eficaz em cenários de sobrevivência

Se por acidente nos perdermos num local inóspito, longe da civilização, sem materiais básicos de sobrevivência será que a nossa memória nos pode ajudar a sobreviver? Tudo indica que sim. É pelo menos essa a conclusão de um estudo realizado por investigadores da Universidade de Aveiro

Se por acidente nos perdermos num local inóspito, longe da civilização, sem materiais básicos de sobrevivência será que a nossa memória nos pode ajudar a sobreviver? Tudo indica que sim. Pelo menos é essa a conclusão de um estudo realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA), que sugere que a nossa memória não nos deixará ficar mal. Bem pelo contrário, a nossa memória, comparativamente a outras situações, funciona muito bem em cenários onde a sobrevivência é testada a todo o instante.

A pesquisa, cujas últimas conclusões foram foram publicadas recentemente na revista Perspectives on Psychological levanta pela primeira vez o véu a um enigma que a ciência tem por explicar: como e para quê evoluiu a memória humana?

Se todas as componentes do organismo humano evoluíram para dar resposta aos problemas adaptativos que foram surgindo ao longo de milhões de anos, então também a memória terá evoluído nesse sentido.

Esta é a hipótese levantada por Josefa Pandeirada, investigadora do Departamento de Educação e Psicologia da UA, para explicar as funções que a memória tem desempenhado no caminho evolutivo dos seres humanos. Um trabalho que a investigadora, juntamente com James Nairne, Coordenador e responsável pelo Adaptive Memory Lab da Universidade de Purdue (USA), tem em marcha desde 2007.

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A investigadora Josefa Pandeirada

Voluntários são confrontados com cenários de vida ou morte
Os testes já efetuados em laboratório pelos investigadores confirmam que, de facto, a nossa memória funciona particularmente bem quando nos confrontamos com cenários relacionados com a nossa sobrevivência, como são o de ter de encontrar comida, abrigo e proteção de predadores.

Vários grupos de voluntários, cuja memória foi testada em várias experiências ao longo dos últimos anos, confirmam a tese. Convidados a imaginarem-se em cenários onde a sobrevivência se joga a todo o instante – como em ilhas desertas, montanhas ou florestas – e sem forma de contatar com o exterior ou sem materiais básicos de sobrevivência, foi pedido aos participantes que avaliassem a relevância que vários objetos teriam para assegurar as suas sobrevivências. No final, os participantes eram surpreendidos com um teste de memória no qual tinham que recordar o máximo de objetos que conseguissem.

Comparativamente com outros cenários de controlo utilizados (por exemplo, cenários em que os participantes se imaginam a planear o seu próprio suicídio, a planear um assalto a um banco, ou até a ganhar a lotaria), as pessoas recordam mais objetos quando pensam neles no contexto de sobrevivência. Embora esta possa parecer uma ideia óbvia e intuitiva, empiricamente começou a ser estudada com esta equipa.

“Quando as pessoas pensam na relevância que objetos poderão ter num contexto de sobrevivência, a recordação dos mesmos é melhor comparativamente com quando os mesmos objetos são considerados num conjunto de tarefas que não incluem esta dimensão adaptativa”, descreve Josefa Pandeirada. “Esta particularidade aumentaria as nossas hipóteses de sobrevivência e de transmissão dos genes às gerações futuras, promovendo assim a perpetuação da espécie”, diz.

Mecanismo e funções da memória
Historicamente, lembra Josefa Pandeirada, investigadora do Departamento de Educação e Psicologia da UA, “o estudo da memória humana tem sido pautado por uma análise muito estruturalista focada na identificação dos diferentes componentes da memória e na exploração do modo como estes operam”. Embora esta seja uma forma de investigação importante, porque efetivamente dá a conhecer muito sobre o funcionamento da memória, a investigadora diz que “ela descura questões mais fundamentais relacionadas com as funções que a memória desempenha”.

Nesse sentido, aponta, “a premissa da nossa investigação é de que a memória terá evoluído para nos ajudar a responder a problemas adaptativos encontrados ao longo da nossa evolução”. Embora, teoricamente, todos reconheçamos de certa forma que os processos cognitivos, à semelhança dos restantes órgãos do nosso corpo, resultaram de um processo evolutivo, a investigadora considera que empiricamente a questão não tem sido estudada.

Os investigadores estão neste momento a estudar dois outros problemas adaptativos, também referenciados no artigo recentemente publicado, nos quais pensam que a nossa memória pode desempenhar um papel importante: a contaminação e a reprodução.

Fonte: Comunicado UA

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