Até 31 de maio, a Casa da Esclerose Múltipla está no Colombo a simular dificuldades do dia-a-dia dos doentes

Até 31 de maio, toda a população está convidada a visitar a Casa da Esclerose Múltipla, onde pode vivenciar as dificuldades que afetam os doentes no seu dia-a-dia

A EM é uma doença crónica, inflamatória e degenerativa, que afeta o Sistema Nervoso Central (SNC). Surge mais frequentemente entre os 20 e os 40 anos de idade, ou seja, entre os jovens adultos, afetando principalmente mulheres, numa proporção de 3:1.

Trata-se de uma doença para a qual não existe cura, ainda que se encontrem disponíveis tratamentos que permitem controlar a sintomatologia e atrasar a progressão da doença.

Dados da Organização Mundial de Saúde apontam para a existência de 2,5 milhões doentes em todo o mundo. Em Portugal, a EM afetará, de acordo com dados disponíveis, cerca de 8 mil pessoas (Gisela Kobelt, 2009).

A doença pode tornar-se incapacitante e, como surge numa idade precoce acaba por ter um impacto maior no dia-a-dia dos doentes.

Fruto do enorme desconhecimento da população sobre as manifestações da doença, os doentes, para além do sofrimento que a doença, per si, comporta, são obrigados, frequentemente, a ter de lidar com os estereótipos que imperam na sociedade. O cansaço extremo, muito habitual, que impede os doentes de realizarem determinadas tarefas ou, pelo menos, de revelarem a resistência que pessoas saudáveis, também jovens, revelam, leva a que muitas vezes seja encarado pelos colegas, amigos, familiares e empregadores como preguiça. Um estigma, que faz com que muitos doentes escondam a sua condição até não ser mais possível camuflar a sintomatologia, estratégia que provoca uma enorme pressão psicológica e sofrimento.

Os sintomas da EM podem variar muito em função da localização da inflamação e da desmielinização no sistema nervoso central. No entanto alguns sintomas ocorrem com frequência, outros raramente são assinalados. Entre os sintomas mais comuns, destacam-se a fadiga, neurite ótica ou visão turva, perda da força muscular nos braços e pernas, alterações da sensibilidade, alterações urinárias e intestinais, problemas sexuais, alterações cognitivas, alteração de humor, depressão, entre outras.

Para o diagnóstico da doença concorre uma combinação de sintomas e a evolução que a doença apresenta na pessoa afetada, havendo necessidade de recurso a exames clínicos/exames complementares de diagnóstico (Ressonância Magnética Nuclear, Estudo de Potenciais Evocados e Punção Lombar).

A EM pode produzir sintomas idênticos aos de outras patologias do SNC, pelo que o diagnóstico poderá demorar anos a acontecer.

Para sensibilizar a população para os muitos desafios que enfrentam os doentes vítimas de EM, a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) promoveu, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, que se assinala a 31 de maio, uma iniciativa inédita em Portugal, através da qual, a população pode vivenciar «na pele» as muitas dificuldades que afetam os doentes na realização das tarefas do dia-a-dia.

A “Casa da Esclerose Múltipla”, que os visitantes são convidados a percorrer, limitados artificialmente de modo a reproduzir na sua mobilidade e capacidade de ação as mesmas dificuldades que os doentes sentem. Das 10H00 às 24H00, até 31 de maio, todos os interessados podem experienciar o impacto de sintomas desta doença nas tarefas mais simples do dia-a-dia.

Na “Casa da EM” são duas as divisões representadas, aquelas onde, normalmente, se passa mais tempo: a sala de estar e a cozinha. Na sala, a experiência de atravessar um tapete com barbatanas calçadas pretende sensibilizar para a dificuldade que estes doentes têm em levantar os pés e a falta de equilíbrio. Na cozinha, sentir uma onda de calor ao abrir o frigorífico mostra como as pessoas que sofrem de EM reagem às alterações bruscas de temperatura. Ao afetar o sistema neurológico central, a EM origina uma multitude de perturbações físicas e sensoriais.

Na cerimónia de inauguração, que teve lugar ontem, Susana Protásio, vice-presidente da SPEM, salientou a importância de se conseguir “transmitir à população em geral, média e tutela, o que é viver com EM. A correta gestão da doença não é apenas responsabilidade da pessoa afetada. Depende de toda a sociedade assegurar que estas pessoas, jovens e em idade ativa, possam fazer face à doença e continuar as suas vidas apesar deste diagnóstico, com os mesmos direitos e oportunidades. Esta iniciativa pretende promover a igualdade e desafiar o estigma em torno da EM”.

O principal objetivo é fazer com que as pessoas no global saibam o que é viver com Esclerose Múltipla, e assim as pessoas com Esclerose Múltipla (EM) tenham uma maior aceitação na sociedade.

“Sete princípios para melhorar a qualidade de vida das pessoas com esclerose múltipla”

O evento constituiu também uma oportunidade para a apresentação dos “sete princípios para melhorar a qualidade de vida das pessoas com esclerose múltipla”, definidos no seio de um movimento criado pela Federação Internacional das Associações de Doentes com Esclerose Múltipla (MSIF), constituído por pessoas e organizações que querem melhorar a qualidade de vida daqueles que têm de viver com EM. No âmbito das atividades deste grupo, foi aprovado um documento que reúne o resultado de uma extensiva consulta, que se prolongou por mais de dois anos, a pessoas de mais de 30 países que lidam diariamente com esta doença.

A Susana Protásio, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) coube apresentar os resultados alcançados, que proporcionam uma “visão holística da doença, ou seja, em todas as suas vertentes. Desde logo a perspetiva do doente e das condicionantes que a doença impõe no seu dia-a-sia, ao nível físico e mental. O documento descreve ainda as atitudes dos que padecem da doença, as suas convicções e crenças bem como a sua caracterização e a do meio envolvente: se é homem ou mulher, em que locais trabalha ou estuda, a formação que conseguiu alcançar, as oportunidades de trabalho, a forma como se integra na sociedade, o papel da família… Dos amigos”.

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No estudo, “foi ainda analisado o ambiente mais alargado em que o doente se insere: o país em que vive e as condicionantes mais marcantes, como a estabilidade e a legislação específica de proteção aos doentes, acrescenta a especialista.

Com base nos dados recolhidos, estabeleceu-se uma série de princípios, atitudes e objetivos para que se consiga um mundo com qualidade de vida para os doentes com EM.

Princípios que não obedecem a uma qualquer hierarquização, nem têm o mesmo grau de relevância em todos os países. O objetivo, esse, é claro e aplica-se a todos os países onde se pretende que venham a ser implementados, salienta Susana Protásio: que cada um, no seu país, trabalhando em prol das pessoas com esclerose múltipla, estabeleça os seus objetivos, tendo como meta um futuro melhor para todos os que padecem da doença.

Os 7 princípios para melhorar a qualidade de vida das pessoas com EM

– Mais poder, reconhecimento, capacitação, independência e um papel central para as pessoas afetadas pela EM relativamente às decisões que afetam as suas vidas, ou o seu tratamento. Um objetivo que passa, necessariamente, por dotar os doentes da capacidade para exercerem este direito, permitindo-lhes tomar decisões informadas e o poder para “fazer”.

– Acesso aos tratamentos e cuidados de saúde físicos e mentais de acordo com as condições individuais, quer físicas quer cognitivas, dos que vivem com a EM, extremamente importantes perante um quadro de EM e que incluem, para além dos medicamentos, o acesso a fisioterapia, psicologia, etc.

– Tratamentos que sejam eficazes, que sejam constantes, que existam e que garantam que as pessoas não tenham um quadro físico-mental que vá evoluindo negativamente com o tempo.

– Apoio à rede de familiares, amigos, entes queridos e cuidadores voluntários; que têm sobre si uma enorme carga emocional e de desgaste, muitas vezes limitadoras do desempenho das suas obrigações laborais. Para os relatores da carta de princípios, é importante que estas pessoas que são determinantes para a qualidade de vida dos doentes, também sejam apoiadas.

– Oportunidades de trabalho, voluntariado, educação e lazer acessíveis e flexíveis. O direito que não pode ser negado às pessoas com EM. Têm esse direito: o direito de prosseguirem carreiras profissionais: a que o local de trabalho se venha a adaptar às suas necessidades e a que as suas capacidades possam ser aproveitadas como contributo válido para a sociedade, para a economia e também para a sua autoestima. “Ninguém se quer reformar aos 20 ou 30 anos quando sente que ainda tem capacidade para determinados trabalhos”, salienta Susana Protásio.

– Acessibilidade em locais públicos ou privados, a nível da tecnologia e a transportes adaptados. Uma questão incontornável e que constitui ainda hoje um problema longe de estar resolvido. “Estamos longe de ter uma acessibilidade fácil para as pessoas que têm algum tipo de deficiência, mas também à acessibilidade a transportes adaptados que é outra questão muito importante” começa por apontar Susana Protásio, para logo acrescentar: “por vezes até existem locais adaptados a pessoas com dificuldades. O problema é que estas não conseguem chegar a esses locais porque não há transportes próprios e ainda devido a dificuldades várias de acesso a novas tecnologias. “Hoje em dia há cada vez mais desenvolvimentos tecnológicos que podem apoiar as pessoas com determinadas incapacidades, sejam físicas ou cognitivas e nós queremos que as pessoas com EM, tenham acesso a estas tecnologias”, defende a Vice-presidente da SPEM.

– Recursos financeiros para satisfazer a evolução das necessidades e os custos de viver com EM. Uma prerrogativa ainda longe de estar satisfeita. Desde logo ao nível da proteção social, com Portugal a alinhar com os países onde as reformas para as pessoas que se vêem forçadas a parar de trabalhar por motivo de doença, são muito baixas. Um problema particularmente sensível na EM, que atinge maioritariamente uma população jovem: “demasiadamente jovem para se reformar”.

Finalmente o sétimo princípio da carta elaborada no seio da Federação Internacional das Associações de Doentes com Esclerose Múltipla (MSIF), tem como alvo as atitudes, políticas e práticas de apoio que promovam a igualdade e desafiem o estigma e a descriminação.

Na sua apresentação, Susana Protásio sublinhou a necessidade de “um maior investimento na promoção de atitudes, políticas e práticas de apoio que promovam a igualdade das pessoas na sociedade onde estão integradas e no combate aos estigmas que se possam gerar face à doença”.

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A casa da EM, edificada nos jardins do Centro Comercial Colombo constitui um bom exemplo de como se podem recriar as dificuldades que sentem os doentes com EM, no seu dia-a-dia. “É uma boa oportunidade para as pessoas verem quais são as dificuldades que estas enfrentam e verificarem que não existe nenhuma razão, para estigmatizar as pessoas que têm esclerose múltipla. A doença não é contagiosa, não é impeditiva das pessoas estarem integradas no seu ambiente social, aponta Susana Protásio.

Ainda no âmbito desta iniciativa, no dia 27 de maio, vai realizar-se uma sessão gratuita de cinema, também no Centro Colombo, para visionar o filme “100 Metros” que conta a história de um homem diagnosticado com EM e que mesmo assim, desafiando o prognóstico e as limitações impostas pela doença, conseguiu concluir o IronMan, uma das provas mais duras do planeta. Esta sessão realiza-se no sábado, pelas 18h00 e os bilhetes podem ser solicitados às promotoras junto da “Casa da EM”.

Uma doença com sintomatologia inespecífica….

Presente na inauguração da Casa da EM, Carlos Capela, neurologista no Hospital Santo António dos Capuchos, explicou que a doença afeta, sobretudo, mulheres jovens, ou seja, entre a segunda e quarta década de vida e inclusivamente, na fase fértil e mais produtiva da vida.

Segundo o especialista, “o que leva os doentes ao hospital são, sobretudo, sintomas da doença do foro sensitivo, como formigueiros, perda de sensibilidade, de acuidade visual, ou visão dupla e também sintomas motores, com a falta de força, entre outros”.

O tratamento é multidisciplinar, envolvendo uma equipa multiprofissional que inclui médicos, enfermeiros terapeutas e tem dois alvos principais, explica o neurologista: “tratamento dos surtos na fase aguada e tratamento para modificar a história natural da doença, atrasando, diminuindo ou mesmo interrompendo a progressão da doença” aponta.

O arsenal terapêutico atualmente disponível para o tratamento da doença é vasto e existem mesmo perspetivas de que em breve possam estar disponíveis terapias disruptivas, que permitam não apenas controlar a sintomatologia como alterar radicalmente a história natural da doença, cujas causas ainda são hoje desconhecidas, aponta Carlos Capela: “só sabemos que o sistema imune está de alguma maneira ativado erradamente, ou seja, vai lesionar estruturas do nosso organismo. Logo, atuando sobre o sistema imune, vamos atrasar ou mesmo parar a doença” salienta.

A estas intervenções, junta-se também, o tratamento sintomático, que tem com objetivo atenuar sintomatologia como a fadiga, depressão, ansiedade, para a bexiga…

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Viver com EM: relato na primeira pessoa

Joana Vieira, uma doente com EM, participou na inauguração da casa dedicada à doença, dando o seu testemunho. Desde logo, relatou, as dificuldades que marcaram o diagnóstico da doença, tardio… E dos problemas associados às exigências de um tratamento exigente. “Fui uma doente negligente. Houve um período em que deixei mesmo de seguir a medicação” confessou. Só depois de um surto voltaria a retomar o esquema prescrito pelo médico e que até hoje cumpre «à risca».

“Existem dias em que é difícil ir trabalhar, mas nunca deixei de ir. Sou bióloga, tenho 37 anos e acredito que ainda existe um futuro risonho para mim”, diz, confiante.

“Nunca me vou esquecer quando o neurologista com muita calma apresentou-me uma ressonância do meu cérebro, onde estavam dois buracos negros, a designação com que definem a perda de massa encefálica. Perguntei ao médico se iria ficar demente e perder as minhas capacidades e ele, com muita calma, respondeu que se continuasse a não seguir a medicação a probabilidade de isso acontecer era grande. Decidi que dois buracos negros eram uma fronteira que não queria ultrapassar. Mudei o meu comportamento, posso dizer que sou uma boa paciente e acho que isso é muito importante para os doentes com EM, não ignorarem o seu estado”.

 

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