A política antitabágica em Portugal 10 anos depois
Desde Outubro que se encontra na AR uma proposta do […]

A política antitabágica em Portugal 10 anos depois

Desde Outubro que se encontra na AR uma proposta do Governo para alterar a Lei do Tabaco sobre os locais onde é proibido fumar e suas exceções, bem como a inclusão de novos dispositivos de fumar nessa legislação. Passados vários meses e uma quantidade de horas de audições que se estenderam desde representantes da Indústria do Tabaco tradicional e dos novos produtos de tabaco a autoridades de saúde de áreas diversas, passando por ONGs sociais, científicas e médicas de luta contra o tabagismo, a comissão de saúde e o grupo de trabalho indicados para avaliar na especialidade as conclusões parecem mais uma extensão das falsas dúvidas que originaram o debate. Isso ocorre apenas pela dificuldade de se conciliar as posições assumidas por alguns deputados previamente sensibilizados pela Indústria do Tabaco e que se entregaram aos seus argumentos. Assim esses deputados querem i) promover os novos produtos de tabaco a um estatuto terapêutico e ii) questionar a legitimidade da limitação de fumar na proximidade das entradas de edifícios de saúde e educação. Na sua génese estão deputados dos Partidos de esquerda que apoiam o Governo, mas se opõem a sua proposta, ocupando uma posição mais próxima da iniciativa empresarial privada que em outros assuntos são tão recriminadas e consideradas como lesivas do bem público. As conhecidas propostas pelo Governo e saídas do Ministério e Autoridades de Saúde, responsáveis por transpor para Portugal as orientações da Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco da OMS (CQCT-OMS), a que Portugal aderiu e transpôs para o quadro nacional em 2005, refletem claramente a evidência científica validade pelas instâncias internacionais e demonstram a impossibilidade atual de se aceitar tais intenções sem causar danos aos cidadãos e às políticas antitabágicas. Se as intenções veiculadas pelos deputados da AR se concretizarem acabarão por contribuir com uma das maiores estratégias da Indústria do Tabaco, ou seja, adiar a introdução de medidas antitabágicas mais incisivas e efetivas e acomodar qualquer tipo de consumo de tabaco no contexto social vigente. Infelizmente, estamos assistindo a diversas investidas nesse sentido nos últimos anos:

Apenas no início de 2017 a rotulagem dos maços de tabaco com imagens que ocupam a maior parte da face dos maços foi efetivamente introduzida, após um período de transição longo, desde a aprovação em 2015 da lei que transpunha para Portugal a diretiva europeia sobre o assunto e obrigava os países a adotar a rotulagem referida. A entrada progressiva e lenta até a adoção da nova rotulagem dos maços fez com que o impacto esperado da medida se desvanecesse. Nesta momento são muitos os países no mundo e na Europa que já adotaram mesmo uma rotulagem mais efetiva em que é quase totalmente eliminada a menção às marcas, conhecida como “plain packages”.

O adiar das obrigações em relação aos locais onde é proibido fumar para o início de 2021 (acompanhado da criação de inúmeras exceções a esses espaços), aquando da alteração da lei do tabaco ocorrida em 2015, foram uma clara cedência aos interesses da Indústria do Tabaco e da Economia, em detrimento da saúde dos cidadãos, originando um sentimento de fracasso imediato da intenção da medida, uma ameaça ao seu cumprimento e fiscalização, reforçando a baixa efetividade de uma boa estratégia mal aplicada.

Uma das políticas mais efetivas para se combater o tabagismo é o aumento dos impostos e do preço dos produtos de tabaco. Mas o amento da tributação existente possui apenas interesses orçamentais e não de Saúde Pública, visam o aumento da receita e nunca uma forte redução do consumo. Ou até pior! Na discussão do último Orçamento de Estado, em fins de 2016, alguns partidos políticos da Assembleia da República voltaram a se aliar às investidas dos lobbys da Indústria do Tabaco e propuseram estratégias contrárias aos princípios da luta contra o tabagismo, introduzindo a redução da carga fiscal sobre alguns tipos de produtos de tabaco. A mesma estratégia foi adotada pela Comissão de Orçamento da AR para rejeitar os aumentos de impostos sobre o tabaco propostos pelo Governo dos Açores no seu Orçamento para 2017, região que sofre especialmente com a epidemia tabágica.

Assim tem ocorrido desde 2007, quando a atual Lei do Tabaco foi criada, fazem agora 10 anos. Parcos resultados em termos de consumo na população forma alcançados, mas também, apesar de uma nova lei, poucas medidas foram efetivamente implementadas para além da letra da lei.

O consumo de tabaco em todas as suas formas mata milhares de pessoas por ano, através das inúmeras doenças a que está associado. E vai continuar a matar nos próximos anos, dificultando inclusive a sustentabilidade do nosso SNS, nomeadamente em algumas áreas como a das doenças oncológicas e respiratórias.

Portugal se comprometeu através da CQCT-OMS a implementar políticas que impeçam a iniciação e promovam a redução e a cessação do consumo de tabaco, diminuindo assim o impacto da maior epidemia mundial do seculo XX e início do século XXI.

Os políticos portugueses que colaboram com esta situação, mesmo aqueles que com discursos demagógicos se mostram a favor da luta antitabágica mas pouco fazem para mudar a situação, não honram os compromissos assumidos nem defendem os interesses e bem-estar dos cidadãos (nomeadamente dos mais desfavorecidos e que sofrem devido as desigualdades de saúde) e o Bem-púbico. Afinal, a quem eles servem?

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