Três Tristes (deputados) Tabagistas
Médico de Família

Três Tristes (deputados) Tabagistas

Outra originalidade dos Tupi-Kawahib: (…) não cultivam nem consomem tabaco. Ao ver-nos desembrulhar a nossa provisão de tabaco em rolo, o chefe da aldeia exclamou com sarcasmo: ianeatip, “são excrementos”.

Claude Levi-Strauss in  Tristes Trópicos

Sob a liderança de três deputados – a constitucionalista Isabel Moreira, o economista Paulo Pereira e a ex-secretária de Estado para a Igualdade de Género, Elza Pais – há um movimento de opositores às medidas antitabágicas gizadas pelo executivo, nomeadamente no tocante à regulamentação dos cigarros electrónicos. As explicações para esta iniciativa são um tanto obscuras, não tendo ficado claro se querem promover o e-cigarro a método de desabituação tabágica, ou elegê-lo como substituto, supostamente menos lesivo que os tradicionais cigarros. Também argumentam com “direitos”, não se percebendo de quem: se dos consumidores, se da Big Tabacco. Ora a verdade é que estamos a falar de nicotina, que causa dependência que é a antítese da liberdade. Falar em liberdade de se tornar dependente é uma falácia manchada de cinismo. Qualquer coisa do tipo “Nikotin macht frei”. Além do mais a nicotina é um tóxico e continua a estar presente em muitos dos e-cigarros, constituindo um risco para a saúde dos consumidores. Por outro lado é prematuro declarar inócuos os outros produtos que alegremente continuam a ser canalizados dos cigarros electrónicos até às vias aéreas mais profundas. O “e-cigar” é já uma epidemia entre os adolescentes americanos. Curiosamente, nos EUA, a continuada diminuição de consumo de tabaco que se vinha verificando desde há meio século foi interrompida em 2015, levantando a suspeita que, ao invés duma diminuição de cigarros fumados, resultado duma presumível migração para o cigarro electrónico, estamos perante um inesperado veículo de crescimento do consumo de tabaco em todas as formas. Mesmo da tradicional.

Posto isto é mister perguntar: o que faz correr este trio?

Elza Pais estará indignada com a gritante desigualdade de prevalência de cancro de pulmão, resultado da machista discriminação no acesso ao cancerígeno por excelência. Que bizarra noção de igualdade!

Paulo Trigo estará apoquentado com a perspetiva de desemprego para as futuras gerações de pneumologistas, técnicos cardiopulmonares e outros profissionais de saúde, bem como dos bombeiros. Pelos vistos considera despiciendo que o tabaco seja promotor de pobreza, contribua para o desequilíbrio da balança de pagamentos e dê uma ajudinha para comprometer a sustentabilidade do SNS. Estranho economista!

Já a líder do trio tirou o dia para apagar o artigo 64.ª da Constituição da República Portuguesa e eleger a dependência a direito. A escravidão vira liberdade. Singular constitucionalista!

Insinuar que os cigarros electrónicos sejam uma mais valia para a saúde é duma arrogância obscurantista que julgávamos démodée. É mais um exemplo de negacionismo, próprio de quem tenha frequentado com distinção um curso de lissenkismo na universidade Urbano VIII, sediada na Trump Tower.

Piadas à parte questionemo-nos de novo: qual o objetivo este trio. Já toda a gente percebeu que estes deputados estão filiados na Liga Portuguesa Promovedora do Cancro, isto é, estão cooptados pela industria tabaqueira.

É deplorável que representantes eleitos e pagos pelo Povo Português se dediquem a defender os interesses das tabaqueiras, traindo a nobre missão para que foram indigitados e mandem às ortigas a defesa da saúde dos portugueses.

Mas os danos desta campanha não se restringem aos previsivelmente infligidos à lusitana saúde pública: é o próprio regime parlamentar que fica fragilizado. Num tempo em que as ditaduras de várias cores se agigantam e ameaçam com uma nova idade das trevas, o que os regimes democráticos menos precisam é de campanhas como esta que fragilizem a imagem dos parlamentos.

 

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