13 Jan, 2017

Infarmed proíbe patrocínios no Serviço Nacional de Saúde

Fornecedores da saúde vão ser proibidos de patrocinar atividades nas instalações do SNS. Ordem dos Médicos, farmacêuticas e empresas de dispositivos médicos estão contra e dizem que pode estar em causa a formação contínua dos médicos.

Os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) vão ser proibidos de promover a angariação ou receber direta ou indiretamente dinheiro ou benefícios em espécie por parte de empresas que sejam suas fornecedoras de bens e serviços.

Esta proibição vigora a partir de 5 de Fevereiro e inclui os medicamentos, dispositivos médicos e outras tecnologias de saúde, equipamentos e serviços na área das tecnologias de informação, ou outras conexas, que possam afetar ou vir a afetar a isenção e imparcialidade.

Passam também a ser proibidas, nos serviços do Ministério da Saúde, todas as ações de natureza científica ou outras patrocinadas por empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, bem como quaisquer a ações de carácter promocional.

A medida consta do DL n.º5/20017, de 6 de Janeiro, que aprova os princípios gerais da publicidade a medicamentos e dispositivos médicos e que introduz novas limitações e regras de transparência no setor.
Embora aparentemente inócua, a medida poderá ter um impacto significativo no atual modelo de formação médica contínua dos profissionais de saúde, particularmente dos médicos, maioritariamente patrocinada pelas farmacêuticas.

Em declarações ao Jornal Económico, o bastonário da Ordem dos Médicos manifesta-se contra este novo enquadramento, afirmando que se assiste “a uma crescente criação de dificuldades nos apoios da indústria farmacêutica à formação e investigação médica, sem que o Estado assuma as suas próprias responsabilidades”.
“[Esta situação] pode afectar claramente a formação contínua dos médicos”, sustenta José Manuel Silva, afirmando que, “em última instância, os próprios doentes podem ser prejudicados”.

A indústria farmacêutica também se mostra contra a nova legislação e coloca, igualmente, a tónica na formação dos médicos. Em declarações ao Jornal Económico, fonte oficial da Apifarma, a associação que representa a indústria farmacêutica, considera que “esta disposição legal inviabiliza que a formação clínica dos médicos seja feita nos estabelecimentos do SNS, em tempo útil, com manifesto prejuízo não só para os médicos, mas sobretudo para os doentes”.

“A lei, ao proibir estas iniciativas, põe em causa a formação médica, sem garantir que o Estado a suportará. O Estado fica, assim, obrigado a suportar, em tempo útil, os encargos com a formação pós-graduada dos médicos nos estabelecimentos do SNS, designadamente, no que diz respeito à formação médica necessária para assegurar que os portugueses terão acesso igual à inovação terapêutica disponível em outros países”.

Atualmente, a maioria das ações de carácter científico organizadas pelas diferentes áreas de especialidade médica decorrem nos próprios estabelecimentos de saúde, sendo organizadas pelos diferentes serviços de especialidade e viabilizadas pelo apoio, financeiro e logístico de empresas farmacêuticas e de dispositivos médicos, que têm como principal cliente o próprio SNS.
O carácter “promocional” que limita o âmbito de aplicação das novas regras e que numa primeira leitura pode induzir a ideia de um aliviar das restrições agora introduzidas, dificilmente cumprirá o seu objetivo. Isto, porque, face às regras atualmente em vigor, o conceito de publicidade de medicamentos é muito abrangente, incluindo qualquer forma de informação, de prospeção ou de incentivo que tenha por objeto ou por efeito a promoção da prescrição, dispensa, venda, aquisição ou consumo de medicamentos.

Esta norma, conjugada com a que veda a publicidade de medicamentos cuja introdução no mercado ainda não foi autorizada em Portugal torna difícil compatibilizar conceitos, dando espaço à discricionariedade interpretativa do regulador, no caso o Infarmed.

O bastonário, que sublinhou o facto de a Ordem dos Médicos não ter sido consultada previamente, apontou ainda a “surpreendente e inesperada proibição dos espaços de congresso que existem em muitos hospitais e instalações de saúde poderem ser alugados para congressos médicos”, beneficiando outros espaços, questionando a razão de tal medida.

A Apifarma diz, também, que não aceita “a suspeita permanentemente lançada sobre os seus associados, de financiamentos e patrocínios indevidos a iniciativas de formação clínica pós-graduada, uma vez que, como é sabido, as empresas farmacêuticas e os médicos estão, desde 2013, obrigados a declarar estes apoios” ao Infarmed.

Donativos com novas regras
Não foram só os patrocínios que passaram a ter um enquadramento mais restritivo: o mesmo aconteceu com os donativos feitos pelos fornecedores. Joana Silveira Botelho, advogada especializada em Direito da Saúde na sociedade de advogados Cuatrecasas, Gonçalves Pereira diz ao Jornal Económico que, “a partir de agora, passa a ser proibida, de forma expressa, a concessão de donativos aos hospitais e às entidades do SNS exceto se estes não comprometerem, comprovadamente, a isenção e a imparcialidade, exceção condicionada a autorização do membro do Governo responsável pela área da saúde”.
Esta limitação, embora pouco conhecida, já se encontrava, “de certa forma, prevista no Código dos Contratos Públicos e tem como objetivo acautelar o princípio da imparcialidade”, explica Joana Silveira Botelho.

O que estava disposto era que “nos casos de aquisições por ajuste direto, a entidade adjudicante não pode convidar a apresentar uma proposta, uma empresa da qual tivesse recebido, nos dois últimos anos, donativos ou usufruído da prestação de serviços a título gratuito, ou da concessão de bens móveis, exceto os donativos efetuados ao abrigo do Estatuto do Mecenato”. Agora, além desta regra aplicável aos procedimentos de ajuste direto, a concessão de donativos por parte das Indústrias da Saúde aos hospitais e a outras entidades do SNS, bem como o patrocínio de atividades de investigação e de prestação de cuidados de saúde fica ainda sujeita à autorização por parte do ministro da Saúde.

APORMED contesta medida
Em declarações ao SaúdeOnline, a Associação Portuguesa de Empresas de Dispositivos Médicos, que a partir de agora também passam a estar abrangidas pelas novas regras, começa por lamentar que a tutela “não tenha aproveitado em maior escala as propostas e os contributos da APORMED apresentados na fase de consulta”.

Ainda sem uma posição definitiva sobre o seu impacto das novas regras para o setor e, em particular, para as empresas de dispositivos médicos a APORMED adianta ainda assim que, de uma primeira leitura, “o diploma pode levantar, em termos práticos, algumas dificuldades de natureza burocrática (relativas aos mecanismos formais de comunicação entre as partes envolvidas), assim como comportar eventuais efeitos negativos em termos de formação futura dos profissionais de saúde” ao vedar o patrocínio de ações de natureza científica ou outras”  em em estabelecimentos e serviços do SNS, recordando que “a promoção de dispositivos médicos, pelos fins a que os mesmos se destinam e pelas características de funcionamento e de utilização que lhes são próprias, andam normalmente associadas à divulgação de informação de natureza científica pelo que a proibição de patrocínio de ações e natureza científica ou outras por empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de dispositivos médicos, pode levar a uma redução deste tipo de ações o que é prejudicial para os profissionais de saúde, em último caso para os doentes, pois como se sabe o Serviço Nacional de Saúde não dispõe de meios para assegurar, em tempo útil e para todos, a formação necessária”.

Miguel Múrias Maurittti
mmauritti@saudeonline.pt

 

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